Quando queremos ser elogiosos para com determinados modos, hábitos ou comportamentos que julgamos dignos e belos, tendemos a dizê-los “civis”, ou “urbanos”. Falamos em “civilização”, palavra com a mesma raiz de “cidade”, e é efetivamente essa a sua conotação positiva: a compostura da cidade, contraposta ao arredio do campônio.
Talvez o antigo romano, em sua urbe de vinte, trinta, quiçá cem mil habitantes às margens do Mediterrâneo, efetivamente fosse mais tratável que algum bruto barbarizado, perdido na Floresta Negra. Talvez, pois o prêmio esperado por todo augusto senador, cônsul ou procurador parecia ser o sonho arcadiano da villa, entre pomares e oliveiras, e não a selvageria do Fórum até a senectude. Talvez o cortesão renascentista fosse mais amistoso, a princípio, que um desconfiado pastorinho, ou um calejado servo da gleba. O professor da Bologna medieval seguramente teria mais a dizer sobre as artes e a verdade do que o mercenário suíço, embora talvez menos que o monge, no claustro de Montecassino.
Mas em nosso tempo, aparentemente em qualquer país, região ou clima, é nas pequenas comunidades de interior, onde a agricultura ainda comunica a liturgia inescapável das leis deixadas por mãos não-humanas; lá, onde a realidade constringe a vontade, que amizade e solidariedade ainda se brindam. A megalópole, seja Nova Iorque, São Francisco, Londres, São Paulo, Rio ou Pequim, barbariza. A selva de pedra aliena. As lâminas de vidro dos arranha-céus arranham a face de Deus, e a essa ilusão de ótica tremenda os homens, delirando onipotência, buscam se assemelhar. Dilaceram, assim, eles também sua natureza — e a da sociedade com ela.