• 04/05/2023
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De que democracia estamos falando?

 

 

Percival Puggina

Só quem tapou o nariz antes que lhe cubram os olhos e a boca não sentiu o cheiro desagradável de fim da democracia, com o consequente atropelo das atribuições constitucionais do Poder Legislativo pelo Poder Judiciário.

Leio na Folha de Pernambuco 

A necessidade de uma definição por parte da Câmara dos Deputados para tornar crime a divulgação de informações falsas na internet é vista como urgente por uma ala de ministros ouvida pelo Globo.

Publicamente, os posicionamentos dos magistrados deixam transparecer esse apoio. Na decisão em que determinou a remoção de ataques ao chamado PL das Fake News e a realização de depoimentos de presidentes no Brasil de Google, Meta e Spotify, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que é "urgente, razoável e necessária" uma definição dos termos da responsabilidade solidária civil das empresas pelo conteúdo publicado por elas, e acrescenta que essa definição pode ser "legislativa e/ou judicial".

Segundo Moraes, a definição da responsabilidade sobre o conteúdo publicado pode ocorrer tanto pelo Legislativo quanto pelo Judiciário.

 Uma regulação pelo Legislativo também é enfatizada pelo ministro Luís Roberto Barroso. Em entrevista concedida nesta terça-feira, à TV Migalhas, o magistrado afirmou que “a regulação é inevitável” e disse que uma eventual criminalização das fake news "não é censura".

— A regulação é absolutamente inevitável, o que precisamos acertar é a dose do remédio — disse.

Ainda segundo o ministro, há um problema grave gerado pela proliferação de desinformação.

— Há um subproduto grave [da Internet]: a proliferação da desinformação, dos discursos de ódio, das teorias conspiratórias, da destruição de reputações, de Estados estrangeiros interferindo com eleições em outros países. Há um problema — defendeu.

Comento

Repito: só quem tapou o nariz antes que lhe cubram os olhos e a boca não sentiu o cheiro desagradável de fim da democracia, com o consequente atropelo das atribuições constitucionais do Poder Legislativo pelo Poder Judiciário.

A democracia termina quando o Judiciário passa a fazer o que quer porque se sente autorizado a impor seu querer mesmo perante deliberação em contrário do Poder Legislativo. Que intervenha subsidiariamente, que aponte alguma inconstitucionalidade, ainda vá; mas que passe a redigir normas e a criar tipo penal por analogia, convenhamos! No parlamento, não deliberar sobre algum assunto é deliberação. Deliberar por ele é usurpação de função, como já aconteceu outras vezes em passado recentíssimo. Se há um poder sem voto que se permite legislar quando considera necessário, a representação popular perde sua razão de ser. Vai servir, apenas, para sessões solenes e homenagens.  

Tem mais, no caso, é visível a ameaça contida na frase que acena com a possiblidade de impor judicialmente definições [de obrigações e sanções]. Uma consequência possível desse anúncio seria constranger o Congresso a decidir sobre o que não quer porque não compõe maioria para aprovar normas que o STF deseja ver aprovadas.