• 23/07/2017
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CEGA, SURDA E BOQUIRROTA


Percival Puggina

 

 Por vezes, nosso sistema judiciário parece polideficiente. Orgulha-se daquela isenta cegueira de Dona Themis e acresce a essa deficiência uma também vaidosa surdez ante as manifestações da opinião pública. É como se lhe bastassem apenas a testa e o texto, ou seja, o que o julgador tem na cabeça e o que está escrito nos autos.

 Longe de mim exigir dos sites dos tribunais um espaço para enquetes sobre temas em julgamento. Tampouco simpatizo com um magistrado que saia de casa de manhã e passe no café da praça para saber o que pensam seus jurisdicionados sobre isto ou aquilo.  Menos ainda com quem se reúna de modo militante em grupos de interesse ou se congregue em associações de magistrados que sirvam a alguma causa ideológica. Mas entre isso e a cegueira e a surdez vai grande distância. O bom magistrado não pode ser um ermitão, um anacoreta, um ácaro de gabinete fechados, fora do mundo, do tempo e da vida como ela é vivida pelos que ainda padecem os males da mortalidade.

Temos disso tudo, por aqui, em proporções que preocupam, tanto do oito quanto do oitenta. E a estes modos de jurisdicionar se acrescentam, não raro, as boquirrotas arengas e pendengas travadas entre membros das cortes nos tribunais. E fora deles.

Pois bem, é dentro dessa moldura que se enquadra a questão das urnas eletrônicas. Sempre me espantou a encenada indignação com que membros dos tribunais eleitorais se manifestavam quando inquiridos sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas. Muitas vezes, ao longo dos anos, fiscalizei contagem manual de votos marcados em papel e conheço o quanto esse sistema fica inseguro quando os partidos não exercem atenta fiscalização. Portanto, as urnas eletrônicas são um avanço, mas não posso considerar que o sejam quando o tipo de urna adotado não permite a recontagem de votos.

Se os tribunais abrissem a janela para vida real, perceberiam quanta desconfiança se estabeleceu na sociedade em relação a essas geringonças, ditas de primeira geração, usadas no Brasil. Trata-se de um desprestígio irrecuperável, que afeta drasticamente a credibilidade e a legitimidade dos mandatos. Não estou falando de pouca coisa! É preciso estarem surdos e cegos para andarem por aí exaltando as lições que damos ao mundo com tais urnas.

Se as maquinetas com impressora vão custar US$ 200 dólares mais do que as que estão em uso, e se elas são tão boas quanto afirmam seus defensores no TSE, que vendam essas maravilhas no mercado mundial e passemos a usar algo que tenha menos jeito de caixa de truques e mágicas.