Quando refletimos sobre o significado da imersão de Deus no cenário da natureza por Ele criada e sobre o que representa para a história da humanidade essa resignação Filho ao plano de amor do Pai, e quando confrontamos, tudo isso, com a singeleza da narrativa evangélica sobre o nascimento de Jesus, não podemos deixar de nos espantar.
Não existe qualquer resíduo mitológico na narrativa de Lucas: “... e o enfaixou e o reclinou numa manjedoura porque não havia lugar na estalagem”. Semelhante simplicidade, ao longo dos séculos, surpreende e cativa as gerações. Ela é de tal forma contraditória com nossas concepções sobre o poder que, com freqüência cedemos à tentação de revestir o presépio, ao modo humano, com finos tecidos, pedrarias e animais que parecem saídos de uma feira internacional. Jamais conseguiremos, porém, desfigurar a essencialidade do fato. Um estábulo é um estábulo.
O ingresso de Deus na história poderia fazer-se de qualquer maneira e em qualquer lugar. E não faltaria à imaginação humana talento para honrar a grandiosidade do fato com a opulência de que o julgamos credor. Mas Deus parece ter escolhido a dedo, naquela noite Palestina, o modo e o lugar a partir do qual dividiria ao meio a história.
Especula-se que as vendas serão menores neste Natal. “É a crise”, dirão conformados os lojistas. Sim, “é a crise”, mas é, antes, a crise dos valores, da perda da religiosidade; é a crise dos que se afogam na superficialidade das coisas. Não estou advogando que nos recusemos à tradição cultural das festas com suas circunstâncias. Estou, apenas, lembrando que tais preparativos não podem obscurecer o espírito do Natal porque isso significaria perder a oportunidade de construir em nós a plenitude dos tempos.