Acompanhando a política brasileira ao longo de décadas, posso afirmar sem dar chance a equívoco que, durante muito tempo, a moda era responsabilizar a infidelidade partidária pelos maus caminhos da vida pública nacional. O Brasil, dizia-se, só tomaria jeito quando acabasse o troca-troca de partido que permitia aos detentores de mandato transitar de uma sigla para outra sem constrangimento e com bons ganhos adicionais. Aquilo, definia Boris Casoy, era uma ver-go-nha. Que me lembre, fui voz isolada a afirmar o quanto uma regra de fidelidade partidária seria inepta como solução para nossos problemas institucionais. E foi, não foi? Quem tem problemas de convicções ou caráter não muda o modo de ser, esteja em que partido estiver. Ademais, são nossos partidos costumeiramente fiéis a algum princípio válido?
Passados alguns anos, os olhares ansiosos da sociedade foram desviados para a imperiosa e redentora necessidade de uma Lei da Ficha Limpa. Mobilização nacional. Faxina geral na nação. CNBB, OAB, suas coligadas habituais e a grande imprensa cerraram fileiras e forçaram a aprovação de Nova Lei Áurea que iria salvar o Brasil dos políticos desonestos. Se alguém mais além de mim se atreveu a dizer e escrever que era uma lei inepta, que se apresente. Em setembro de 2010, em artigo para o Diário do Comércio, antecipei que iríamos trocar fichas sujas por outras novas, mas estas, logo adiante, se sujariam porque o verdadeiro ficha-suja, corruptor incurável, era o modelo institucional brasileiro. Não foi isso mesmo que aconteceu? A que nos levaram, tanto a eleição de 2014 quanto a grande renovação do Congresso em 2018?
Oitenta e cinco por cento dos senadores que buscaram reeleição no último pleito foram derrotados nas urnas! Mas não há na Casa, passados dois anos, mais do que 22 ou 23 votos entre 81 para qualquer projeto moralizador ou transformador, tipo CPI da Toga, impeachment de ministros do STF, prisão após condenação em segunda instância, alteração do modo de compor o Supremo e por aí vai. Ou melhor, não vai. Lamento dizer que, de novo, eu estava certo. A ficha mais suja de todas é a do modelo institucional e do sistema eleitoral que regem nossa política.
Nosso tão louvado e preservado presidencialismo de cooptação merecia voz de prisão!
É ele que responde pelas escolhas dos ministros do STF. É ele que levou Bolsonaro a indicar – num entendimento com os notórios Toffoli, Gilmar e Alcolumbre – o incógnito Nunes Marques para a cadeira vaga daquela Corte. Pois foi esse novato que concedeu liminar para revogar artigo da Lei da Ficha Limpa, desobstruindo o caminho para retorno à cena de políticos cujas candidaturas foram por ela barrados.
Uma coisa é dizer que a lei seria inepta, como de fato foi, para os fins pretendidos. Outra, bem diferente, é reabrir porteira para maus políticos cujo retorno à cena só irá agravar os embaraços e reforçar o contingente de criminosos já instalados em posições de poder e influência sobre nosso cotidiano.
A ética, que muitos cobram como caminho necessário (como de fato é) e suficiente (coisa que não é) só ganhará relevância na cena política quando o modelo institucional deixar de agir na direção oposta.
* Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
Roberto Nunes de Menezes - 27/12/2020 12:12:22
Ao ver o comportamento de líderes mundiais nesta "pandemia" de países que deveriam dar um bom exemplo, como França, Itália e Inglaterra,confesso estar terrivelmente preocupado com o futuro não só do Brasil como da população mundial.ADRIANA LIRA MENEZES - 26/12/2020 22:19:00
NO momento atual é muito delicado, em quem podemos votar? Geralmente no menos pior e assim vamos até descobrir que o menos pior é tão perigoso quando os anteriores. Todas as nossas instituções estão contaminadas com pessoas sem moral, sem nada, que estão lá apenas para se beneficiar, e o País vai sendo posto de lado a todo momento. Fico pensando como o Presidente se sente olhando para todos os lados e percebendo que tem mais traidores que aliados, e mesmo nessa situação precisa tomar decisões que muitas vezes são deturpadas . Acredito que a força do povo pode ir mudando essa situação toda, mas para que isso ocorra precisa que esse povo pense e tenha força para enfrentar e lutar essas questões todas.Menelau Santos - 23/12/2020 19:52:22
É isso mesmo Professor. Seu artigo vem desvendar a falácia da moralização partidária. Se CNBB, OAB e grande imprensa eram a favor dessa lei, boa coisa não poderia ser. "Para os bons as leis não são necessárias, para o maus são inúteis".Antonio Dias Junqueira - 23/12/2020 13:55:25
Percival, sempre atento e atualizado além de ter os melhores comentários.