Percival Puggina
Se você está desgostoso com a conduta de tantos congressistas; se avalia, com razão, que há uma perda crescente de qualidade da representação parlamentar; se percebe que muitas das 105 emendas já introduzidas na Constituição foram votadas a galope enquanto outras de grande interesse da sociedade se arrastam sobre tartarugas; se sente que a impunidade é reforçada e a corrupção protegida pelo Congresso, então – Anime-se! – chegou a hora de começar a enfrentar as causas e parar de chorar as consequências.
Avesso aos longos períodos, o trecho acima talvez seja um dos mais extensos que já escrevi antes de cravar um ponto. E note: se ele continuasse até o fim da página, ainda assim sobraria assunto. Os problemas por lá são muitos e nosso legislativo solenemente os desconsidera.
O modo como elegemos nossos deputados, em eleições ditas proporcionais, é uma dessas causas da situação descrita e a adoção do voto distrital, puro ou misto, traria resultados muito positivos. No atual sistema, somam-se os votos de cada legenda e se divide esse total pelo quociente eleitoral, que corresponde ao número de votos necessários para prover cada cadeira. O quociente dessa divisão determina, por ordem de votação, o número e os membros de cada bancada partidária. Na eleição de 2018, apenas 5% dos deputados obtiveram votação pessoal suficiente para garantir o próprio mandato. Pelo viés oposto, 95% dos deputados federais brasileiros precisaram dos votos alheios, em muitos casos dados a parlamentares não eleitos. Dos 27 mil candidatos inscritos, apenas 513 foram eleitos e 51% dos eleitores votaram em candidatos não eleitos. Só isso já reduz a representatividade e a interlocução entre representantes e representados.
Por outro lado, o atual sistema estimula a eleição de parlamentares para cuidar de grupos de interesses. Setores numerosos da sociedade se organizam a cada quatro anos para eleger o “seu deputado”. São as bancadas do agronegócio, dos pequenos produtores, das etnias, dos empreendedores, dos empregados, da educação, dos servidores públicos, dos militares, dos policiais, da saúde, das carreiras de Estado, etc.. O produto disso é a concessão de poder político a extratos horizontais da sociedade em detrimento do interesse geral. É o império do corporativismo. Produto disso é, também, o que tantas vezes vi acontecer em plenário: diante das galerias cheias, parlamentares recebem pressão sem saber quais seriam seus eleitores, como agir para cativá-los, ou quantos dessa categoria estão contados entre seus votos.
Imagine, agora, o voto distrital. Nesse sistema, os municípios são agrupados em tantos distritos eleitorais quantas são as cadeiras que correspondem ao respectivo estado. Dentro de cada distrito, cada partido (ou coligação se permitida) apresenta um único candidato e a eleição é disputada ao modo como hoje são eleitos os prefeitos. O mais votado vence. Como resultado, as campanhas eleitorais transcorrem em áreas restritas (pequenas porções do território de cada estado) e custam muito menos. Cada distrito sabe quem é seu representante, independentemente do partido a que pertença e sua atuação é acompanhada por todos. Fica possível estabelecer regras para Recall, ou seja, chamar plebiscito para cassar o mandato de quem, a qualquer momento, tenha desempenho reprovado (como, por exemplo, votando leis de proteção aos corruptos e garantindo impunidade de bandidos). Por fim, num distrito, ninguém se elege apenas com votos de um extrato ou grupo de interesse da sociedade e isso gera representação muito mais comprometida com o bem de todos, com o bem comum, com o bem do país, com o bem do pagador das contas e das futuras gerações.
No voto distrital misto, uma parte dos deputados é eleita pelo sistema proporcional burro, e outra pelo distrital. Pessoalmente não vejo vantagens operacionais, embora possa ajudar a viabilizar a mudança.
“E o que eu posso fazer?”, indagará o leitor. Em primeiro lugar, saiba que nada mudará se tudo permanecer como está. Convença-se de que o Brasil não pode continuar sendo o país onde tudo está errado, mas não convém mexer em nada. Num jogo de cartas, a regra do jogo diz como se joga; na política, a regra determina, também, quem senta para jogar. No atual sistema, o “soberano” eleitor não é nem peru do jogo.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
Carlos Edison Fernandes Domingues - 23/03/2021 21:07:57
PUGGINA. Os assuntos que abordas primam, sempre, pela atualidade, independentes do momento que se estuda e se transmite alguma opinião. Na representação parlamentar, não chego a considerar o que nos é determinado como um "sistema proporcional burro" pois representa a soma de votos para uma legenda, que deve aglutinar, em um partido, um programa social, econômico e de administração pública para reunir candidatos e eleitores, dando sustentação no Parlamento e no Executivo. O que nos falta é formação partidária e captação de simpatizantes ao ideário que se defende. Não é o "sistema proporcional " que está errado, mas é o comportamento das lideranças. O sistema do voto distrital, no meu entender, serve para países com território pequeno e população de cultura homogenia. DEFENDO uma simbiose entre os sistemas: o voto distrital elegeria a metade da representação partidária no(s) legislativo(s) e a outra metade seria completada pela escolha selecionada no(s) partido(s) para ocupar(em) as cadeiras disponíveis para a legenda. A linha partidária seria conduzida dentro do(s) legislativo(s) pela filosofia de cada agremiação, somando com a manifestação direta dos eleitores através do voto distrital. Na medida que cresce voto distrital, também se fortalece a representação do(s) partido(s) que orientam a condução do comportamento da(s) representação (ões). Não custa transmitir um sonho... Carlos Edison DominguesSOLANGE BRAGA - 23/03/2021 02:09:20
Percival, sou uma admiradora de suas idéias! Também comungo desta mas, vou além! inelegibilidade automática seria uma grande limpeza nesta " democracia" que iludidos, pensamos viver! Se não temos escolhas, não temos liberdade! Como eliminar o político que faz do serviço ao publico, ser um serviço ao seu projeto de poder? Veja www.pina.org.br e nos de o seu apoio!Julio Rosais - 20/03/2021 01:52:08
Do seu texto devo dizer que concordo plenamente. Ainda hoje eu estava comentando com alguém sobre como é que um vereador que teve pouco mais do que 5 mil votos pode ter assento na Câmara Municipal? Ele teve proporcionalmente aos eleitores de Porto Alegre cerca de 0,36% de votos, e em relação à população ele teve cerca de 0,33%. Afinal de contas, a quem essa figura representa? Seus familiares, amigos e correligionários?JUSCELINO DORNELAS PEREIRA - 17/03/2021 19:53:21
Boa tarde. Caro, Percival, vc precisa entrar em outras midias tipo Telegram, Parler e sair dessas tradicionais , que atuam como verdadeiros fascistas(mussô , deve ter inveja delas )além de incentivar seus seguidores a fazer o mesmoJoão Jesuino Demilio - 17/03/2021 12:16:01
Caro Percival Sempre achei que o poder emana do povo. E o povo NUNCA pode perder este poder. Portanto, tenha cá comigo, que o remédio para democracia é o voto revogatório ou voto com recall. O povo deu o mandato...e o povo pode tira-lo se o eleito não corresponder aos seus anseios! Fico feliz por ver sua defesa pelo voto revogatório!Que façamos uma grande campanha neste sentido.