• Percival Puggina
  • 08/08/2017
  • Compartilhe:

QUEM QUER PAGAR ESSA CONTA?

 

 Cláudio Humberto, em recente coluna no Diário do Poder, informou que os veículos oficiais federais custaram aos cofres públicos R$ 1,6 bilhão em 2016. O montante inclui viaturas de serviço e representação e envolve renovação da frota, manutenção e pagamento de impostos.

 Quem acha que deve pagar essa conta toda, especialmente a parcela que envolve os carros de representação, levante a mão. Tais viaturas são resíduos das carruagens do Paço Real no século XIX e das liteiras conduzidas por escravos nos séculos anteriores. Afinal, ninguém realmente importante está aí para sujar sapato na poeira das ruas, misturar-se à plebe ou rodar no próprio automóvel, como se fosse, digamos assim, uma pessoa ... normal, não é mesmo? De que valeria o poder sem aparatos e mordomias que o tornem objeto de cobiça? No século XXI, nós somos os cavalos da carruagem e os escravos da liteira.

 Essa mentalidade é parte do problema brasileiro. É como se o chefe de família, bêbado e jogador, cobrasse à mulher e aos filhos que cortassem as próprias despesas. Falta autoridade moral. Falta autoridade moral para justificar medidas efetivamente necessárias e realmente significativas ao quadro fiscal do país quando o Congresso Nacional negocia uma boca livre de R$ 3,5 bilhões para os gastos de campanha eleitoral no ano que vem. Ou quando o Senado da República renova o contrato de locação de veículos zero quilômetro para os senadores ao custo de R$ 8,3 milhões, por 30 meses. Fazem parte do contrato duas liteiras turbinadas, com motor de 250 CC, cujo peso é sustentado pelos nossos braços.
 As regalias do poder são evidências da distância que o separa do cotidiano em que se vira e contorce a nação. Basta listar alguns que a memória socorre: jatinhos da FAB, helicópteros, cartões corporativos, verbas de ostentação (eufemisticamente designadas como de "representação"), voos em 1ª classe, auxílios moradia e alimentação, adicionais (ah, os tão bem-vindos adicionais!) de vários tipos e motivos. E quanto mais distante dos olhos estiver a realidade social, maior sua distância do coração.

Enquanto isso acontece por aqui, em meio às nossas reconhecidas dificuldades, na Holanda parlamentares não têm direito a carro oficial e o prefeito vai de casa ao trabalho usando sua bicicleta. Na Suécia, nem o primeiro-ministro tem carro oficial; autoridades podem, no máximo, pedir reembolso para viagens oficiais ou se residirem a mais de 70 km de Estocolmo. Parlamentares suecos têm direito a reembolso do combustível. Na Noruega, há 20 carros para atender o governo e só o primeiro-ministro tem direito a veículo exclusivo. Em Londres, o prefeito anda de metrô ou bicicleta; ele e os vereadores recebem um vale-transporte anual para o metrô. Prefeito e vereadores da maior cidade da Europa têm compromisso de usar o transporte público. (Maiores detalhes a respeito estão disponíveis em www.nossasaopaulo.org.br/portal/node/47253)

O de que estamos falando aqui é sobre o "animus" do poder, ou seja, de sua alma, ou, ainda mais precisamente, dos sentimentos que a inspiram. Se e quando aquilo que move a alma do poder político for o indispensável espírito de serviço, estas ostentações e demasias são sumariamente rejeitadas, por aversão e coerência.

________________________________
* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

 

 


Antonio Augusto d´Avila -   13/08/2017 20:42:32

Não cabe citar países parlamentaristas. Lá o Congresso deve andar na linha e pode ser dissolvido. No presidencialismo, o Congresso é um órgão absolutamente irresponsável, não pode ser dissolvido em hipótese alguma (aliás, essa a razão das centenas de golpes militares nos países presidencialistas), Pior, o presidente precisa submeter de qualquer forma o Congresso, do contrário, seu governo fica completamente inviabilizado ou é ele que vai para a "forca".

Ismael de Oliveira Façanha -   10/08/2017 19:58:26

O Brasil é um imenso cupinzeiro burocrático, onde vive uma horda inextinguível de barnabés, a entravar cuidadosamente, zelosamente, o caminhar do cidadão produtivo. Criam-se cargos à torto e à direito, gerando uma malha kafkiana de prebostes "tranca-ruas" a nos assombrar a vida.

susana -   08/08/2017 19:10:58

E então, caro amigo, vamos de alíquota de 35% no IRPF? Chega, Temer, não dá mais.

Claudio José Cavalcante -   08/08/2017 19:09:40

Os políticos são sustentados por nós trabalhadores pagadores de impostos, chega de mordomias, mudança já.

Roberto Antonio Becker -   08/08/2017 17:44:04

Dom Pedro II era infinitamente mais austero com o dinheiro do cidadão do que qualquer republicano. Se consideram mais reais que o Rei!