• Percival Puggina
  • 13/04/2018
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QUE BELO TEMA, A LIBERDADE!

 Está virando moda, acolhido como tema de reportagens especiais, chamar sexo de gênero e deixar esse detalhe para a criança decidir mais tarde, no pleno exercício de sua liberdade. Danem-se a natureza, a genética, a biologia, a ciência, os hormônios. Danem-se, até mesmo, as inclinações naturais dos primeiros anos. Através de um labirinto de possibilidades e experiências, a criança - presume-se - deve ser conduzida a um mundo de incertezas. Tudo em nome da liberdade; da mesma liberdade que não lhe é concedida quando se trata de escolher o clube de futebol pelo qual vai torcer.

Tomo este exemplo bem contemporâneo como ponto de partida para mostrar que o conceito de liberdade, suas aplicações e implicações podem ser retorcidos a ponto de se tornarem imprestáveis. Mais frequente do que liberdade usada para o mal (autodegradação) é liberdade inutilizada, desperdiçada, que vaza entre os dedos de quem a teve em mãos como dom sublime que poderia levar à autossuperação.

Foram necessários milhões de anos para que os gregos empreendessem a longa jornada de reflexão filosófica em busca de um Bem impresso na natureza humana que não fosse o simples e primitivo produto do querer. Foi um dos grandes saltos morais, esse em que o ser humano mergulhou no imanente e no transcendente em busca da Verdade e do Bem. Sempre tomo isso em grande conta para recusar a moralidade fundada apenas no bem próprio e no interesse próprio.
Outros saltos seriam dados na construção da mais avançada civilização e da mais elevada cultura que a humanidade produziu. O que os gregos haviam coletado de hindus, egípcios, árabes e mesopotâmios, operado por seus filósofos, confluiu para Roma, instruiu o império e influenciou o direito romano. Outra vertente unir-se-ia a seguir. Refiro-me à milenar construção do judaísmo, iluminada por grandes profetas como Abraão, Isaac, Jacó, José, Moisés, Davi, Salomão, Elias, Isaías. De seu interior adviria, ainda, o cristianismo. Séculos mais tarde, a escolástica. E depois o iluminismo...

Impossível menosprezar esse longo caminho através do qual o saber humano buscou articular os conteúdos inerentes ao Bem que buscamos na vida social. É a liberdade o maior dentre todos? Certamente, inclusive na perspectiva do Criador (sim, eu creio em Deus). Ele estabeleceu interditos que, bem examinados, servem ao bom exercício da liberdade, mas lhe tributa divino respeito, não interferindo no que com ela fazemos, mesmo se e quando a usamos contra Ele.

Tão comum quanto abusar da liberdade para afrontar o Bem (como no Queermuseu, e em algumas "performances artísticas", para citar exemplos recentes) é inibi-la para fins ideológicos, como quando se reprimem as liberdades econômicas em nome de uma certa "justiça social". Fazer justiça é tarefa do Direito e da Política, como exemplificam os países prósperos e bem organizados. Já a finalidade da Economia, de um sistema econômico, é produzir, e nesse sentido é irrecusável a superior eficiência das economias livres. Alias, fôssemos menos socialistas, nossa situação e nossas atuais perspectivas econômicas e sociais seriam muito melhores.

Mas se a liberdade se destaca no conjunto dos grandes conteúdos do Bem, ela não é, nem pode ser, por si só, o fundamento da moral. A liberdade é filha da verdade. Em João 8:32 Jesus afirma: "Conhecereis a verdade e ela vos libertará". Entendo perfeitamente que, agora, alguns leitores abandonem este texto. Parecer-lhes-á exótica tal afirmação num artigo sobre liberdade. No entanto, nada de melhor se ensinou sobre o tema. Nada a respeito se disse tão verdadeiro e com tão poucas palavras.

Imagine um barqueiro que ao cair da tarde reme seu barco várias milhas mar adentro. Cansado, deita-se e adormece. No meio da noite, um vagalhão sacode o barco e o desperta. Da superfície da água ao céu coberto de nuvens, tudo é escuridão. Alguém dirá que esse homem, incapaz de saber para onde remar, finalmente conquistou sua liberdade? Não. Perdeu-se ele no mar aberto; o imenso bem da liberdade só será reavido quando raiar o dia e ele, recuperando a capacidade de se orientar, reconheça o seu destino. No momento em que souber para onde ir, ele recuperará a liberdade, inclusive, de ir para qualquer outro lugar.

Nada orienta melhor a liberdade humana do que a busca sincera da Verdade e, por ela, do Bem. E nada disso é coercitivo. É apenas inspirador. É um saber que faz bem.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 


Odilon Rocha -   18/04/2018 02:09:25

Caro Professor Texto magistral, de tema tão caro e tão mal entendido (ou distorcido?). A cartilha globalista, com seus estragos perpetrados, já não nos deixa em dúvida sobre uma certa liberdade perdida. Infelizmente, sob os efeitos dessa nefasta condução, há pessoas que nem se deram conta do muito de liberdade que já perderam. Meus parabéns pela belíssima exposição. Um abraço

Rossini -   15/04/2018 13:12:46

Bela reflexão filosófica! Nunca havia pensado com profundidade sobre este aspecto da liberdade.

cloe espirito santo brizolla -   14/04/2018 19:01:39

Em minhas orações sempre peço sabedoria e discernimento. Verdade sempre...caso contrário nos tornaremos prisioneiros de nós mesmos. Assim acredito. abç

ANTONIO CARLOS DA FONSECA FALLAVENA -   14/04/2018 16:03:46

Amigo Puggina Perfeito, como tantos outros textos seus! Apenas como comentário rápido, esta semana participei em comissão especial na Câmara Federal. Lá deixei duas pequenas "pérolas" que são dadas de graça em nossas escolas e nos discursos: 1. Educação não é escolarização. Portanto, ou trocamos as definições ou os termos utilizados. No CEPAC Brasil estamos debatendo isto já fazem alguns anos; 2. Escola pública nunca foi e não é gratuita! Já tem pouca qualidade e ainda "afirmam" que não custa nada! Parece que não conseguem entender que é pública. A outra é particular e aqueles que optam por ela, pagam a escolarização dos filhos, pela segunda vez. Amigo, está tudo "junto e misturado" e as misturas, por vezes, se transformam em veneno. Paulo Freira, patrono da "educação brasileira", com seus conceitos torna possível uma simbiose perfeita entre : o que pensava e seus ensinamentos, com o resultado produzido, atualmente, em nossa escola pública e algumas particulares. Os resultados demonstram a extensão da falta de qualidade. E muitos e muitos professores o seguem, cegamente e, por vezes, nem conseguem entender "seus ensinamentos". Se fosse possível e autorizada uma avaliação geral em nossas escolas, os resultados indicariam o que vem ocorrendo e para que lado precisaríamos correr! Abraço e saúde. Fallavena

Flávio Aprigliano Filho -   14/04/2018 14:54:11

Caro Puggina, Texto excelente e inspirador , como aliás foi muito bem lembrado! Obrigado por tê-lo escrito!

Fernando A.O. Prieto -   14/04/2018 08:41:39

"Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". Não é dito diretamente, nem é garantido em qualquer outra citação evangélica, que ela nos tornará felizes, ou prósperos, ou saudáveis durante esta nossa permanência no mundo. Já é um ato de fé (na Bondade e no Amor de Deus) acreditar que, no final, virá a felicidade eterna no reino prometido aos que forem fiéis. Absolutamente nada é garantido para este mundo... O que é considerado como liberdade, na deformada mentalidade moderna, é, para usar uma metáfora, a possibilidade de, escolhendo-se entre beber em dois copos, um dos quais contém água pura e outro água envenenada, optar por qualquer um dos dois. A verdadeira liberdade pressupõe a sabedoria de conhecer o conteúdo e as consequências dos atos e escolher a ação mais adequada; assim, no exemplo citado, decidir-se-ia livre e necessariamente beber a água pura. A opção por pensamentos errôneos é um abuso da liberdade e terá consequências, parte das quais já estamos vivendo...