• Percival Puggina
  • 23/03/2025
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Quando a democracia e a liberdade “subiram no telhado”

 

Percival Puggina

                 A eleição de Bolsonaro em 2018 surpreendeu os “estrategistas” da política e da justiça. Como alguém com aquele perfil, sem tempo de TV, de partido nanico e sem dinheiro, poderia se eleger presidente, derrotando as oligarquias políticas tradicionais do país? Como obteve ele esse resultado com um discurso conservador, falando em Deus, Pátria, Família e Liberdade?

Neste artigo, pretendo rolar o calendário político desde 18 de fevereiro de 2016. Naquele dia, sete dos onze ministros do STF decidiram criar nova jurisprudência, permitindo que réus condenados por órgão colegiado, em grau de recurso (segunda instância), pudessem ser recolhidos para cumprimento de penas privativas de liberdade. Foi quando a Lava Jato viveu um surto de produtividade, atendendo, em fila de confessionário, os pecados próprios e alheios dos penitentes, acompanhados de vultosas restituições de dinheiro roubado. Aquela importante e aguardada decisão – prisão após condenação em segunda instância, que mais tarde valeria contra Lula – foi aprovada com votos de quatro ministros indicados por Dilma (Teori, Fachin, Barroso e Fux), dois ministros indicados por Lula (Cármen Lúcia e Toffoli) e um indicado por FHC (Gilmar).

No dia 31 de agosto daquele mesmo ano (2016), após três meses de tramitações e numerosas manifestações populares, o Senado Federal aprovou o impeachment de Dilma Rousseff. Tão logo Michel Temer assumiu a presidência, iniciaram as especulações e tratativas sobre a futura eleição presidencial. Em dezembro (2016), as intenções de voto mostravam Lula com 28%, Marina com 17%, Alckmin e Jair com 8% cada um. 

Em 12 de julho de 2017, o juiz Sérgio Moro condenou Lula a 9 anos e 6 meses de reclusão por crime de corrupção no caso do triplex de Guarujá. Em novembro, pesquisa Datafolha atribuía a Lula 37% das intenções de voto, 18% a Jair, 8% a Alckmin, 7% a Ciro.

Em março, já correndo o ano eleitoral, números levantados por CNT/MDA mostravam Lula 33%, Jair 17%, Marina 8%, Alckmin 6%. No início de abril, o TRF 4 confirmou a condenação de Lula pelo caso do triplex e ele foi preso no dia 7. Não obstante, ao longo do ano, as pesquisas continuavam mostrando Lula como candidato. No dia 26 de julho, os partidos do centrão (PSDB, DEM, PP, PRB, PR e Solidariedade), numa tentativa de restaurar o teatro das tesouras, oficializaram apoio a Alckmin.

Em 15 de agosto, a PGR impugnou a candidatura de Lula. Cabia ao TSE acolher ou não. No entanto, ainda em agosto, uma pesquisa Datafolha atribuía a Lula 39%, Jair 19%, Marina 8%, Alckmin 6% e Ciro 5%. Em 1º de setembro, um mês antes da eleição, o TSE confirmou a impugnação e Fernando Haddad foi ungido candidato do PT. Uma semana antes da eleição, pesquisa contratada pela TV Globo e Folha de São Paulo mostrava, no primeiro turno, Jair vencendo Haddad por 28% a 22%, mas ... perdendo no segundo turno para Haddad, Alckmin e Ciro.

Foi ali, na mesa do segundo turno da eleição de 2018, entre os dias 8 e 29 de outubro, que a democracia e a liberdade do povo brasileiro subiram no telhado. Foi por seu papel decisivo naquele pleito, mais do que em virtude da COVID, que as redes sociais entraram na UTI e começaram a viver por aparelhos estatais controladores de seus conteúdos e seus visitantes. Contra as malditas redes sociais, antes das quais os donos do poder “eram felizes e não sabiam”, e contra seus usuários, todos os meios se tornaram válidos, inclusive os constitucionalmente proibidos.

Na derrota para Bolsonaro em 28 de outubro de 2018, foram traçados os planos que tirariam Lula da cadeia e o levariam pela mão, passo a passo, ao exercício dessa presidência grotesca, vivida longe do povo. Difícil imaginar que tudo tenha sido uma sequência indesejada de decisões inevitáveis.

Quatro anos depois, na posse de Lula, os que se disseram contramajoritários durante o governo conservador, se tornaram contraminoritários! Paradoxal, não? Para conter a oposição supostamente minoritária, posto que derrotada, os garantistas de ontem tratam, também, de acabar com garantias constitucionais. Profética, a estátua de Themis, em Brasília, não usa a balança da Justiça; carrega apenas espada e corta para um lado só.

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 


Adalgisa C. Polari -   28/03/2025 09:24:41

Parabéns pela excelente análise. Por mim, só posso dizer que estou desanimada. Se houver uma estátua do Desalento, eu a represento. Não creio nas eleições de 2026, assim como não acreditei no resultado final das ultimas . As cartas estão marcadas contra a verdade e a vontade do povo. Deus nos ajude.

DANUBIO EDON FRANCO -   24/03/2025 10:45:03

Excelente teu resumo histórico do golpe.0 Poder Judiciário, leia-se STF, que só falava nos autos, agora, sem qualquer constrangimento, fala em qualquer lugar como protagonista em defesa da democracia deles, não a que é regida pela Constituição Federal. E é isso o que temos hoje, o consórcio STF-LULA, este com a garantia daquele, manobra o País, enquanto o Congresso não passa de um congresso, salvo honrosas exceções. Mesmo assim, enquanto nos deixarem falar, não podemos deixar de denunciar.

João Alberto Martens -   24/03/2025 09:23:41

Voto com o relator. Excelente análise. No momento só nos restam as eleições do ano que vem.

DAGOBERTO LIMA GODOY -   24/03/2025 09:14:17

Há muitos anos, chamei a atenção para o fato da imagem da Justiça colocada no frontispício do prédio novo do Tribunal da Justiça, em Porto Alegre, não tinha máscara. O presidente do Tribunal, à época, coincidentemente tinha "afinidade" com o PT.

Gerson Hallam -   24/03/2025 08:32:27

Bom dia Ilustre Professor Puggina. Sempre alentador ler suas manifestações, assim como seus livros. Não nos resta muita coisa neste quadro trágico dos dias atuais. O centanário politico é desalentador, e nos retira a motivação de lutar por um Pais, que parece não saber votar, não ter filtro moral, e sempre quedar para o lado de sua face mais negativa, o jeitinho e a malversação dos recursos públicos. Tudo isto, somado a inacreditável forma de trabalho e julgamentos da Suprema Corte Brasileira, comprometida, sem isenção, julgando por interesses e distante da Lei e da Justiça. Mas o pendulo hora esta a esquerda, hora esta a direita, resiliência e coragem, fraterno abraço.

Afonso Pires Faria -   23/03/2025 11:01:15

Perfeito. Temos que ter cuidado com o que achamos que nos beneficia hoje. Amanhã, poderá nos ser nocivo. A democracia olhou para cima do telhado, quando não permitiram que a Dilma nomeasse o Lula. SMJ.