• Tibiriçá Ramaglio
  • 10/04/2009
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O VELHO CHICO BUARQUE NÏ VAI AL? DOS CLICH? EM NOVO ROMANCE - Enviado pelo autor

?poss?l babar (e n?chorar) pelo leite derramado? Sim, se o Leite derramado em quest?for o romance de Chico Buarque de Hollanda. A imprensa paulista derramou litros de baba e tinta por ocasi?do lan?ento do livro, em 28 de mar? O Caderno 2, de O Estado de S. Paulo, cedeu ?bra sua capa e mais quatro p?nas encomi?icas. A Ilustrada, da Folha, foi pelo mesmo caminho e a Veja tamb? embora bem mais parcimoniosa nos elogios. H?m motivo propriamente liter?o para tudo isso? N? Leite derramado n??enhuma obra-prima. ?um texto mediano. Torna-se um acontecimento cultural no pa?simplesmente pelo fato de ter sido gestado pela testa de Chico Buarque, que ?ma unanimidade nos meios acad?cos e nos meios de comunica? nacional. Meios onde impera a mentalidade esquerdista e um corporativismo desbragado. Vale a pena, portanto, comentar n?s?Leite derramado como as cr?cas que lhe sa?m na imprensa – e chorar por ambos. Leite derramado pretende tra? um panorama da hist? social do Brasil a partir do discurso de um decadente representante das nossas elites que, centen?o e moribundo, estaria a ditar suas mem?s para uma enfermeira do hospital onde se encontra. O personagem narrador pretende ser, de fato, uma caricatura do burgu?aristocrata brasileiro. Pelos cacoetes pretensiosos e autorit?os que seu discurso trai, iriam se revelando as mazelas dessa elite, bem como as que ela imp?o nosso povo – as classes dominadas, exploradas. ?muito significativo disso o desejo que o narrador, Eul?o d’Assump?, sente por Balbino, “um preto meio roli?, filho de um criado da fam?a e que foi seu amigo de inf?ia. Sobre ele, relata Eul?o, no cap?lo 4: “Durante um per?o, para voc?er uma id?, encasquetei que precisava enrabar o Balbino. Eu estava com dezessete anos, talvez dezoito, o certo ?ue j?onhecia mulher, inclusive as francesas. N?tinha, portanto, necessidade daquilo, mas do nada decidi que ia enrabar o Balbino. [...] S? faltava ousadia para a abordagem decisiva, e cheguei a ensaiar umas conversas de tradi? senhorial, direito de prim?as, pondera?s t?acima do seu entendimento, que ele j?ederia sem delongas”. Ora, essa imagem de o rico querer literalmente – desculpem – foder o pobre fala por si. Eu disse, portanto, que o livro pretende, porque n?chega efetivamente a realizar seu objetivo. Desde seu pr?o nome, a que o ap?ofe e o p?udo devem atribuir distin?, antiguidade e nobreza, Eul?o d’Assump? ? caricatura n?da elite, mas de um estere?o da elite e nada mais do que isso. A sociedade brasileira que Chico Buarque apresenta foi extra? dos velhos manuais de historiografia e sociologia marxista, escritos pelo pai do autor, por Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes. Nada acrescenta a elas, al?da linguagem da fic?, mas se trata de uma fic? que n?ilumina nenhum aspecto da realidade. O problema n?est?m que nossas elites n?mere? cr?cas e caricaturas. Merecem sim, sem d?a nenhuma, por?cr?cas e caricaturas que a espelhem de fato e lancem alguma luz sobre sua alma e sobre a alma do pa? ?poss?l ser marxista e fazer uma literatura anal?ca e penetrante, sem recorrer a clich?sociol?os. Est?a??Bernardo e Vidas Secas, de Graciliano Ramos, como evid?ia disso, mas vamos adiante. N?se pode deixar de comentar a pretens?machadiana do texto de Chico Buarque que ?omente isso: pretens? pois, em termos de estilo, sua linguagem n?consegue atingir a gra?e a eleg?ia do autor de Dom Casmurro. E se Matilde, a amada do narrador de Leite derramado, tem, sim, um qu?e Capitu e sua rela? com Eul?o ?n?ga ?aquela com Bentinho, n?h?isso mais do que uma justa homenagem ao bruxo do Cosme Velho. No mais, Chico, por causa de sua sociologia barata, est?ais para nossos naturalistas menores, como Adolfo Caminha e J? Ribeiro, no sentido de que como eles – e muito ao contr?o de Machado – ?squem?co e determinista. Agora, vale a pena passar em revista a cr?ca recebida por Leite Derramado. Roberto Schwarz, o autor de As id?s fora do lugar, tem, como se sabe, as id?s fora do tempo... ?um frankfurtiano ortodoxo, que muito se orgulha dessa condi?. Nem por isso deixa de ser um erudito e, portanto, ?mposs?l que leve o romance de Chico a s?o. Quando diz, logo no in?o de sua resenha, que Leite derramado ?divertido”, faz seu julgamento de valor definitivo. N?chegar? elogio maior do que esse ao longo de toda a sua an?se. Quando muito suas ?mas palavras qualificam o romance como uma “soberba lufada de ar fresco” no panorama liter?o brasileiro de hoje. Ora, trata-se de um meio elogio, no caso um disc?lo de Benjamin e Adorno, como Schwarz, para quem a obra de arte deve ser muito mais do que mera divers? E um meio elogio que s?feito por corporativismo esquerdista, pois o deleite do cr?co est?o fato de os Assump? irem, como ele diz, “cumprindo o seu papel de classe dominante, europeizad?imos e fazendo tudo fora da lei”. Quanto ?cr?cas de Augusto Massi e de Samuel Titan Jr., ambos da USP, diga-se que elas n?t?o m?mo compromisso de ajudar o leitor aprofundar-se na compreens?do romance, compromisso sem o qual a cr?ca liter?a n?serve para nada. Os dois fazem elucubra?s vagamente elogiosas que mais visam a exibir a sensibilidade intelectual e a capacidade de racioc?o deles mesmos do que a abordar seu objeto de an?se. Massi ainda tem o desplante de terminar seu ensaio com um trocadilho alusivo ao t?lo da obra do pai do autor: “Ao revirar pelo avesso ideologias entranhadas fundamente em nossos h?tos cotidianos, talvez ele [Chico] avance rumo ?ra?s do Brasil”. ?uma brincadeirinha cretina que fica no mesmo n?l da do redator da Ilustrada, que chamou Chico Buarque de “o bruxo do Leblon”, multiplicando por dez a dist?ia que separa este bairro do Cosme Velho... Enfim, das cr?cas que li, prefiro a de Eduardo Gianetti da Fonseca, que d?onta de fazer uma s?ese bem feita do romance e de elogi?o com mais economia. Gianetti destaca as “solu?s felizes de linguagem espalhadas como d?vas pelo texto”. Mas deixa clara a falta “de ao menos um personagem com o qual se possa ter um v?ulo de empatia. Os Eul?os senhoriais s?calhordas; os Balbinos da estirpe servil [...] e Matilde n?tem vida interior”. E arremata com precis? “A sociologia festeja, mas a filosofia rasteja”. ?isso mesmo. Essa ? hist? da est?ca marxista. http://observatoriodepiratininga.blogspot.com