• Percival Puggina
  • 14/06/2017
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O "LADRÃO VACILÃO" E SEU CARRASCO

 

 Estava em viagem, acompanhando com menos denodo os acontecimentos no Brasil e, por isso, apenas ontem tomei conhecimento do fato que dá motivo a estas considerações.

 Uma coisa é a crescente indignação com nossa também crescente insegurança; outra é a vingança mediante aplicação de uma suposta justiça por meios próprios. Uma coisa é o legítimo direito de promovermos a defesa de nossos bens e da nossa vida mediante o uso de instrumentos de persuasão; outra é o uso desproporcional desses meios, mormente quando aplicados contra um indivíduo em estado de idiotia, incapaz de se defender.

 Houve um tempo, na história da humanidade, em que a "justiça" se fazia mais ou menos assim. Por repetitivo que seja, sempre é bom lembrar que já no século XVIII a.C., o rei Hamurabi, unificador do império paleobabilônico, editou o código que leva seu nome e, nele, estabeleceu a lei de talião (resumidamente: "olho por olho, dente por dente") para evitar reparações abusivas, que excedessem o dano causado. Assomos de vingança pessoal, linchamentos, e atos como o do tatuador, representam, pois, um recuo de 3800 anos na história da humanidade. O processo civilizador construiu outras referências, outros padrões de conduta e meios formais para realizar a justiça e buscar a sanidade nas relações sociais. Ou se adere a esses padrões que levam em conta a dignidade da pessoa humana, apesar das dificuldades e dos impulsos primitivos que coabitam em nós, ou retornamos à barbárie, à lei do mais forte. E isso é uma imprudência porque sempre haverá alguém mais forte do que nós.

 É verdade que também regredimos na aplicação da justiça como a concebemos. Ela é lenta, ideologizada, pouco eficiente; o ladrão entra por uma porta da delegacia e sai pela outra. É verdade que essa sensação de impotência e quase inutilidade das instituições dá causa àquela indignação a que me referi acima. Mas sequer a soma de todas essas motivações autoriza a violência como a que foi exercida contra o rapaz por alguém que se fez juiz e agressor covarde de um indivíduo deficiente, e debochado carrasco de seu "réu" privado. Cometeu, assim, um crime muito mais grave do que o delito que o motivou àquela reação ferina. A conduta causa indignação. Mas essa indignação não autoriza quem quer que seja a tatuar-lhe na testa "carrasco e torturador". Certo?

 Devemos ser promotores da humanização da humanidade. E não o contrário disso. Então, assim como saúdo a solidária mobilização para restaurar o rosto do pressuposto ladrão vacilão - que rapidamente levantou milhares de reais - lamento a falta de solidariedade nacional em relação a tantas outras vítimas da violência e da criminalidade que não aparecem na imprensa, não são pauta nas redes sociais e não inspiram ações restauradoras de natureza pública ou privada.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

 


Áureo Ramos de Souza -   17/06/2017 23:17:53

O interessante é que estas palavras inscritas no jovem, foram colocadas no facebook em nossos políticos pois ladrões e vacilão são eles.

Sergio Barreto -   15/06/2017 20:11:13

Senhor Puggina, somos da mesma época em que iamos e vinhamos, sem ter que nos preocupar com assaltos e diferentes outros tipos de violência comuns nesses dias. Hoje muitas pessoas fisicamente fragilizadas como eu vivemos quase que em regime de prisão domiciliar, com grades nas aberturas da casa, ofendículos nos muros e com os sentidos em alerta, preparados ou não, para um perigo que não sabemos de onde poderá vir. Infelizmente esses comentários ao seu artigo retratam os tempos confusos que vivemos e que eu bem sei a profundidade de suas palavras, calcadas na sua fé cristã. Mesmo os cristãos e seguidores de outras religiões, por vezes, são levados a ter reações iradas contra toda sorte de violência que nós estamos sujeitos nesse país. Sem querer me alongar, desejaria encerrar com um trecho do canto 74 do Tao Te Ching, do Velho Sábio Lao Tsé: ... "Quem toma a seu encargo o lugar do Céu para aplicar a morte Faz como quem quer serrar no lugar do carpinteiro Ao tentar serrar, dificilmente salvará sua mão"...

elcio emilio affonso -   15/06/2017 12:02:07

só quem nuca ficou nas mãos desses que se dizem vitimas da sociedade é que tem dó , fiquei frente a frente com dois de meno , um deles porta uma faca se não tivesse um pouco de conhecimento de artes marciais não taria aqui escrevendo . eles só são bonzinhos quando estão enquadrados ai é sim senhor com cara de coitados .

patricia -   15/06/2017 03:35:17

Discordo do senhor. Ele não sofre de faculdades mentais. Aliás, por consequência do uso abusivo do crack desde os 12 anos de idade, pode ter desenvolvido uma patologia. Mas, tratar o tatuador como um criminoso, por tentar dá uma lição ao viciado , que confessou que iria furtar a bicicleta, se não fosse impedido por eles, seus algozes, é também de uma falta de caridade. Pois, vocês estão a pensar apenas na marca que ficaria no rapaz, concordo que é vexatório, mas na situação em que ele está, não faria diferença. Ele perambula pelas ruas, devido ao vício. Deve ter cometido furtos em casa, na rua, quiça roubo. Mas o que me toma, é ver as pessoas preocupadas que a marca traria consequencia drásticas a vida do rapaz, inclusive não conseguir emprego. Eu pergunto: no estado em que ele se encontra, drogado e sem objetivo desde os 12 anos, sem estrurura familiar, ele vai está preocupado com a tatuagem na testa? Vai está preocupado com o futuro? Maa as pessoas fizeram vaquinhás pra arrecadar dinheiro pra remover a tatuagem, apoiando o seu ato, que não foi censurado, porque ele é um coitado. O crime não é grave. Pois bem, apoiar atos como esse, pra mim é igual ou pior que ele. RESULTADO: não resolveram o problema do rapaz. A mâe vitimizou o filho, invés de se envergonhar. E a mídia tratou de martiriza-lo e o tatuador, que até então era um trabalhador, virou o pior dos criminosos. Ajudar a tira-lo do vício, ninguém fez né. Sabe por quê? Porque ele não tem solução. Mas a vida dos rapazes, essaa vão ficar marcadas pra toda uma vida como torturadores e pagarão um preço alto por um ato impensado e excessivo. Tortura? Se for assim, somos torturados diariamente pelos pais, assaltantes, políticos, amigos...

Renato -   14/06/2017 17:55:10

Prezado, com a humildade de quem muito se inspira com seus artigos, venho registrar minha discordância. Não pelo repúdio ao ato do tatuador, confesso que me vi obrigado a buscar nas profundezas de minha "formação civilizada" a nobreza suficiente para entender que foi mesmo um exagero. Mas gostaria de lembrar o quão desequilibradas estão as coisas nesses tempos. O que muitas vezes nasce de um esforço de equilíbrio, pode, de maneira completamente involuntária, conter elementos de reforço ao inimigo. Como ensina Olavo de Carvalho, "macaquear" as expressões e conceitos do adversário em um embate, já é lhes conceder, pelo menos em parte, a vitória. Chamei de inimigo, pois assim todos deveríamos entender, cada palavra ou "tese" de proteção à civilidade lançadas pela esquerda causam apenas mais morte, ou pelo menos maiores riscos de morte, para os cidadãos de bem desse planeta. Por isso, gostaria de lembrar, refutemos o ato do tatuador, mas chamemos sua "vítima" do que ela é: ladrão. Rapaz, deixemos para os de bem e guardemos para eles nossa solidariedade.