• Percival Puggina
  • 18/08/2020
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O DESTINO DAS BOLHAS

 

 Tenho setenta e cinco anos e cheguei a essa idade prematuramente, devo dizer. Nasci no tempo da manivela. Só em Havana vi tantos carros antigos quanto na minha infância em Santana do Livramento. Aqueles, aliás, eram os brinquedos dos adultos. Os meus eram de corda como a esplêndida baratinha vermelha conversível, com seus 5 ou 6 centímetros de pura potência. Nos anos 60, cursei arquitetura fazendo operações com uma régua de cálculo e até 1993, colunista do Correio do Povo havia quase 10 anos, ainda escrevia numa Olivetti portátil porque me pareciam sofisticadas e complicadas demais as máquinas elétricas de escrever.

 Acho que isso dá uma idéia da distância a que eu estava de um computador no início deste século. Aí, o professor Cezar Saldanha Souza Junior, mestre e querido amigo, me passou uma descompostura pelo meu atraso em relação às novas tecnologias. O doutor Eduardo Henrique de Rose, amigo de fé, irmão, camarada, me instruiu no manuseio de um notebook. O enorme constrangimento inicial com as novas máquinas foi se transformando em amável intimidade. No meio do caminho topei com as facilidades da Internet e me tornei um turista nada acidental, navegador no mundo da comunicação instantânea.

Assim, chego a este trecho final da vida, com a plena consciência de que nosso país não pode andar mal quando tudo se faz tão ágil. Há quase quarenta anos – quarenta! – venho me dedicando a uma tarefa de formação da consciência política daqueles com quem me comunique. Meu sonho de um Brasil melhor nasceu na redemocratização e foi hospitalizado, logo adiante, por falta de oxigênio, nas alegorias populistas do processo constituinte. Se nele estivesse, eu teria sentado ao lado de Roberto Campos, contra cujas convicções o Brasil escolheu instituir um prodígio histórico mundial: o primeiro estado de bem estar social em nação pobre. De um modo ou outro esse sonho ainda hoje embala muitas noites, seja em mesas de bar, seja em redes sociais, seja no indisfarçável egoísmo organizado dos “coletivos”. Quanto tempo perdido, Senhor!

"O que fazer?", me perguntam com frequência. Os caminhos da democracia, sendo ela feita por gente, precisam de convencimento e formação de amplos consensos. Então, eu creio que expor a verdade sobre atitudes e ações dos agentes políticos, ativos e passivos, é uma forma boa de acelerar isso e é o que tenho feito. O Brasil vive em crise porque seu modelo institucional as estimula e não as resolve. Apenas entra numa bolha que logo adiante cumpre o destino das bolhas. Não podemos nos permitir isso. O Brasil precisa de correções, tanto quanto alguns de seus agentes precisam de corretivos...

Na atual configuração política e institucional do Brasil, não hesito em afirmar: o pior STF da história e um Congresso com os vícios habituais, dedicado, na melhor hipótese a não fazer o que deve, e na pior a fazer o que não deve, assustam tanto quanto a pandemia. Informar para a formação daqueles consensos indispensáveis, retirando da passividade a maioria da população, hoje paciente maior das crises, acaba por expor seus agentes ativos, ameaçando-lhes as carreiras. A grande mídia muito pouco tem servido para isso.

Eugène Ionesco afirmava serem os inimigos da história os que acabam por fazê-la. Nem sempre é, nem precisa ser assim. Se passado se descreve, o futuro se escreve e é possível agilizá-lo. A ideia da intervenção, a propósito, é apenas paralisante porque inibe alternativas e, sabidamente, não vai acontecer. Se acontecesse seria apenas mais uma bolha que explodiria restaurando a crise anterior. Como ocorreu em 1985 e se danificou ainda mais em 1988.
 

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Integrante do grupo Pensar+.

 

 


       


JOSÉ RUI SANDIM BENITES -   26/08/2020 13:40:23

Meu prezado Percival, também comecei escrevendo na Olivetti portátil, depois passei para uma máquina Facit, que mais parecia um trator e, posteriormente, migrei para o computador. Não passei pela máquina elétrica. Também escrevi para o Correio do Povo, no espaço do leitor. Tenho 63 anos, e na leitura do Correio de Povo, comecei a admirar a maneira inteligência e perspicaz como o prezado Percival Puggina escrevia e escreve. Sempre com temas importantes do nosso cotidiano. Vida longa e saúde, embora não o conheça pessoalmente, posso dizer ao amigo.

Menelau Santos -   20/08/2020 13:56:05

Prezado Professor, a melhoria da nação só vai ocorrer com o aperfeiçoamento individual dos brasileiros. E o Sr. contribui bravamente para isso: escreve. Acho que não há outra saída. Por isso, sou muito agradecido.

FERNANDO A O PRIETO -   20/08/2020 08:39:00

Bom e alentador,apesar da situação que vivemos! Continue, por favor, a expor suas opiniões e análises da situação, tão lúcidas! É nosso dever expor a verdade, dentro de nossas possibilidades. Às vezes dá vontade de desanimar, mas que Deus nos dê força para prosseguir.

Haremhab -   20/08/2020 08:07:57

Falam em defesa da democracia... ministro do STF dizendo "ditadura da maioria, temos o dever de corrigí-lo", sequer respeitam a vontade do povo, soberana.Obs: Olivetti portátil e seu inesquecível estojo, eu usei!

Luiz R. Vilela -   19/08/2020 11:57:04

Esta tudo errado. A Assembleia Nacional Constituinte de 87/88, foi uma decepção. Entregaram o seu comando a homens que passaram os 21 anos do regime militar, literalmente correndo dos cachorros da ditadura, como eles se referem ao governo de então. Não podia sair nada diferente, fizeram uma carta que só pensou nos direitos, e esqueceu os deveres. Criaram algo parecido com a Hidra de lerna, um monstro mitológico, que comeu o que ainda restava da moralidade no pais. Nestes anos "pós ditadura", vimos crescer a criminalidade, a vagabundagem, principalmente dos políticos e tudo que de ruim podia acontecer, E aconteceu. A bagunça é tão grande, que agora o STF, que deveria ser a corte constitucional, passou a comandar a atividade policial. É inconstitucional a PM entrar em favela durante a pandemia, pelo menos no Rio de Janeiro, foi a conclusão chegada pelo "Pretório Excelso". Diria um comediante das antigas, "Tá mole, ou quer molho"? Uma corte que deveria única e exclusivamente cuidar da constituição federal, passou a ser a segunda instância de todos os processos que correm no pais, pelo menos para aquele que tenham o QI( quem indica) elevado. Passamos a viver numa "barafunda"político-administrativo, que parece dar sinais de que vai naufragar, dado o estado do salve-se quem puder. Como diria o falecido Joelmir Betting, a situação esta dum jeito, que vaca não reconhece mais o bezerro. E o senado? agora perece que tem um "capitão-mor", que acha que ganhou uma "sesmaria", dos seus pares, e mesmo contra a força da lei, quer permanecer no cargo. Isto ai sim, é matéria para o STF se posicionar, contra é claro, pois a pretensão do cidadão é inconstitucional. "vade retro, satanás", acho que deveríamos dizer a certos "potentados", que infernizam a vida do povo, e se dizem democratas, mas não praticam a democracia.

TIMOTEO FERREIRA -   19/08/2020 05:31:54

Olá, professor! Uma reflexão incrível, parabéns!

roberto -   18/08/2020 23:26:32

Alma lavada. Não diria, em hipótese alguma, não cultivo a falsa modéstia, melhor. verdadeira aula...

JORGE ROSSETO -   18/08/2020 21:14:59

Perfeito. Vivemos o drama da eterna redenção...

Eduardo -   18/08/2020 19:37:27

Professor, parabéns e obrigado pela riquíssima reflexão. Nesse texto há dezenas de frases para serem gravadas em escolas e universidades, orientando o pensamento e as atitudes dos mais jovens. Professor, continue esse trabalho, por favor.