• Percival Puggina
  • 06/09/2023
  • Compartilhe:

Mas que droga!

 

Percival Puggina

         Ninguém poderá dizer que dissimulo minhas convicções. Bem antes, eu as alardeio porque é para apresentá-las a outros que escrevo. De fato, não tenho objetivos adicionais quando sento diante do computador toda manhã ou quando, aos sábados ou domingos, gravo um vídeo. Assim, meus leitores habituais sabem que sou um conservador e, por isso, um institucionalista.

Instituições deveriam vir com uma bula, como remédios, cujos textos sintetizam a informação de que, se ruim com eles, pior sem eles.

Nosso modelo institucional é uma condenação eterna à instabilidade política, jurídica e econômica. Infelizmente, os congressistas que deveriam alterá-lo são os principais beneficiários desse modelo. Mesmo assim, pior sem eles. Seu misto de omissão e tolerância tem tolerado que o STF invada o seu “quadrado” e passe a dispor, segundo seu bel prazer, sobre temas que não integram seu elenco de conhecimentos ou competências. Como terras indígenas, contribuição sindical, armas, drogas, etc..

Que droga! Vejamos o caso da descriminalização do consumo de maconha, com a distinção entre consumidor e traficante, a ser feita na balancinha...  Em nota conjunta publicado no dia 16 de agosto, o Conselho Federal de Medicina e a Associação Brasileira de Psiquiatria afirmam (íntegra aqui):

- “Trata-se de droga que causa dependência gravíssima, com importantíssimos danos físicos e mentais, inclusive precipitando quadros psicóticos (alguns não reversíveis) ou agravando sintomas e a evolução de padecentes de comorbidades mentais de qualquer natureza, dificultando seu tratamento, levando a prejuízos para toda a vida”.

- “O consumo de drogas também contribui para a maior incidência de acidentes de trânsito, homicídios e suicídios, com redução no mundo e aumento no Brasil”.

- “É nos países com maior rigor no enfrentamento às drogas que há diminuição do número de casos de dependência química e de violência relacionada ao consumo e tráfico dessas substâncias”.

No ano passado, a ABP já afirmara (íntegra aqui):

- “Não há evidências científicas suficientes que justifiquem o uso de nenhum dos derivados da cannabis no tratamento de doenças mentais. Em contrapartida, diversos estudos associam o uso e abuso de cannabis, bem como de outras substâncias psicoativas, ao desenvolvimento e agravamento de doenças mentais”.

- “O uso e abuso das substâncias psicoativas presentes na cannabis causam dependência química, podem desencadear quadros psiquiátricos e, ainda, piorar os sintomas de doenças mentais já diagnosticadas”. 

- “No Brasil, o Conselho Federal de Medicina - CFM autoriza o uso compassivo do CBD apenas para crianças e adolescentes com epilepsia de difícil tratamento, por meio da Resolução nº 2.113 de 2014”.

- “As evidências atuais apoiam, no mínimo, uma forte associação do uso de cannabis com o aparecimento de transtornos psiquiátricos. Os adolescentes são particularmente vulneráveis ??a danos, devido aos efeitos da cannabis no desenvolvimento neurológico”.

O Presidente da ABP, Antônio Geral da Silva, falando em audiência pública no Senado há pouco mais de duas semanas, destacou a relação entre o assustador índice de suicídios no Brasil e consumo de álcool e outras drogas. Explicitando a maconha, perguntou, dirigindo-se ao seu conterrâneo, senador Rodrigo Pacheco que presidia a audiência pública (íntegra do vídeo aqui): “E nós estamos falando em liberação? ... Como nós vamos liberar? Como nós vamos facilitar o acesso? Isso é desconhecimento da matéria científica sobre o uso e consumo de álcool e outras drogas e especificamente da maconha. Sabem qual é a quantidade prevista que é segura para o consumo da maconha? Zero! Não há quantidade segura de uso da maconha. Se há que banir uma droga da terra é a maconha”.

Já debati muito sobre esse assunto e conheço a linha de abordagem de quem defende a liberação. Muitos dos que defendem são usuários. Usuários  ou não, segundo essa linha de raciocínio, o indivíduo tem o direito de comprar a droga, de se drogar, de vender as tábuas da parede da casa de seus pais, de desgraçar a vida dos que com ele convivem, de fazer com que todos à sua volta adoeçam e de não ser contido e nem tratado a contragosto. É o perigosíssimo discurso dos direitos sem deveres. Quando ele se reproduz na sociedade, está sendo organizada a estrutura psicossocial de uma vida em comum que será mistura de sanatório geral e presídio central.

Não pode haver direitos sem deveres, sendo que aqueles vêm depois destes. Não pode haver liberdade sem responsabilidade, sendo que aquela vem depois desta.

Quando o ser humano não é educado a dizer não a seus desejos e impulsos, pela família ou círculo de convivência, nem pelo rigor da lei, favorece-se o caminho para o transtorno de personalidade antissocial. Tratar de dependência química passando ao largo dessa evidência ou, mais grave ainda, afirmando o direito de não ser a pessoa submetida a algo que não deseja nem autoriza (como se estivéssemos tratando de uma dieta de legumes), simplesmente não tem cabimento.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.


Ademar Pazzini -   07/09/2023 19:55:42

Com as últimas decisões do nosso deplorável STF, não tenho a menor dúvida, caminhamos a passos largos rumo ao um narco estado. Prova cabal disso é a recente divulgação pela inteligência, de que o Cartel de Sinaloa, México, a maior e mais poderosa organização de tráfico de drogas do mundo, está se estabelecendo no Brasil! Então os brasileiros saberão de verdade o que significa violência do tráfico. Nossos facções são jardim de infância perto do Sinaloa.

Geraldo -   07/09/2023 18:10:04

* em franca decadência.

Teresa Camisão -   07/09/2023 14:39:06

O mundo chegou a um ponto de transtornos generalizados, q não vislumbro uma saida. O nosso Brasil pegando carona c/os "costumes" de alguns países tolerantes às drogas, está querendo se projetar a um custo altíssimo p/seu povo de bem. Diante das decisões já tomadas, teremos q conviver a cada dia c/uma nova "categoria oficial" de dependentes químicos. E esses c/todo amparo da lei, poderão fazer o q bem entender, inclusive matar. Segundo um velho ditado: "Estamos nas mãos de Deus c/poucas melhoras". Triste mas essa é a nossa realidade.

Decio Antonio Damin -   07/09/2023 14:37:19

Descriminalizar o uso é diferente de não incriminar o usuário...!Quantificar o porte para diferenciar entre o usuário e o traficante é inexequível...Um maço de cigarros pesa em torno de 16 gr. e tenho ouvido falar em até 100 gr. como ponto de corte...Mesmo nos países que punem até com a pena de morte o problema não foi eliminado. A principal droga, responsável por mortes é o álcool, que só é proibido a menores (se tal fosse cumprido!) deveria também ser considerada...! O que dizer do tabaco com todos os malefícios que o acompanham? Dá a impressão de que quanto mais se proíbe mais atraente é o delito... É um paradoxo, mas está aí para ser questionado.

Afonso Pires Faria -   07/09/2023 14:28:11

Está ficando bem como "o diabo gosta". O sujeito é flagrado dirigindo drogado e não sofre nenhuma sansão. Sim. Ele está usando o cinto de segurança. Pode o motorista dirigir drogado, mas sem o cinto, é multado.

MARCO ANTONIO GEIB -   07/09/2023 12:05:08

Mestre estamos vivendo num Brasil dos absurdos. Não se aprende "10, 20 ou 50 kg" mas sim toneladas da erva maldita que transitam em nossas estradas, na sociedade enfim é o sustentáculo do vício. No nosso entender a maconha, depois das drogas lícitas, é o primeiro degrau da "escada" que leva o ser humano a degradação, física, moral, econômica e social. Ao descriminalizar ou liberar a maconha, seja em que quantidade for, é um absurdo que não deve ser tolerado por ninguém. Este ato deve ser configurado em "crime hediondo". Existem Países onde o simples tráfico de determinada quantidade leva a prisão perpétua ou a pena de morte. Exemplo: temos brasileiro condenado a morte e executado por tentar entrar com a droga disfarçada de prancha de surfe. Não deve desejar o mal a ninguém... mas gostaríamos de ver a reação destes Ministros do STF se um filho ou filha deles se envolvessem com o uso da maconha ??? Onde isto aconteceu, em outros Países no mundo logo voltaram atrás pelo estrago feito em suas comunidades. Assunto em que não existe meios termos, é NÃO AS DROGAS E FIM. Por isto que voltamos a reiterar que vivemos em um Brasil dos absurdos, este é apenas em um deles.

Menelau Santos -   07/09/2023 10:42:21

Ótimo texto, Professor, além de oportuno. As referências científicas são arrasadoras. É interessante como as mesmas pessoas que proibiram a cloroquina no tratamento off-label do virus alegando falta de respaldo na ciência, agora viram as costas para esta mesma ciência para descriminalizar essa porcaria.

Geraldo -   07/09/2023 10:22:24

Este é um dos artigos mais bem escritos que li neste mês: sintético, muito bem fundamentado, respeito às regras da língua, claro, e, em especial, de um tema social de extrema relevância. Um clássico! É uma lástima que os atores políticos tenham uma visão leniente sobre o tema, sinônimo de uma sociedade doente e em fraca decadência.

Edu -   07/09/2023 09:44:58

O sr. já ouviu falar do psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, diretor do Proad (Programa de Orientação e Tratamento a Dependentes) da Unifesp? Sugiro pesquisar a experiência que ele fez no tratamento de dependentes de crack. Abs.

Deborah -   07/09/2023 08:10:01

Perfeito!

MARIA DA GLÓRIA FRITSCH NUNES -   07/09/2023 07:46:11

Caro Puggina Como evitar que minha neta chegue perto desta porcaria?vigilância eterna ,arristando-se a ser presa,por não querer que ela o use? Abraços

FERNANDO A O PRIETO -   07/09/2023 05:51:45

Mais um ótimo artigo. As drogas são um dos grandes (talvez o maior) flagelo do mundo atual. O viciado TAMBÉM tem uma parcela de culpa, e deve ser tratado. "Ah, mas não adianta - não tem cura!". Não sei se isto é verdade; há casos de cura. E, mesmo que não se cure, deixá-lo fazendo o que quer é pior ainda. Ele, infelizmente, a partir de certo ponto, deixa de ter vontade própria e se torna ESCRAVO do vício...