• Percival Puggina
  • 01/06/2017
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HERDEIROS INCOMPETENTES

 

 Senhores leitores. De denúncias estamos mais do que abastecidos. Estamos lotados. Não há mais espaço, seja nas gavetas, seja no HD. Dispenso-me de mencionar a saturação dos também repletos estômagos e suas náuseas. Penso que já passamos da hora. É tempo de começarmos a nos preocupar com a explicação que daremos a nossos filhos e netos quando nos questionarem sobre o que fizemos com o país em que lhes toca viver.

Aos que têm tantas respostas certas para perguntas erradas, chegará certamente o dia em que alguém fará as perguntas corretas: "Por que, diabos, vocês perseveram no mesmo erro, eleição após eleição, crise após crise? Por que, mais de um século após a Proclamação da República, vocês insistem em manter um sistema de governo que nunca funcionou direito?". E eu ainda dirijo a mim mesmo esta outra pergunta: "Já não estás cansado, escriba, de escolher, a cada eleição, quem te parece menos pior? O mal menor?". Sim, estou! E como estou!

Em 1891 decidimos seguir, em parte, o modelo adotado nos Estados Unidos. Se funcionava lá, nos parecia razoável supor que funcionasse aqui. Mas o que era razoável aos olhos de Benjamim Constant e seus companheiros, há muito revelou não ser! Um inteiro século de evidências o comprovam. Eis por que observo atentamente os acontecimentos do Tio Sam. Pela primeira vez percebo os eleitores norte-americanos um pouco frustrados com algo que nos acompanha a cada eleição presidencial e na maior parte dos pleitos majoritários que nos são disponibilizados: forte rejeição aos dois candidatos e, como consequência, a nação legitimamente confiada a mãos imperitas e desacreditadas. Não seria diferente com uma vitória da Sra. Clinton. Se enfrentarem um processo de impeachment, verão o quanto dói uma saudade...

A irracionalidade do nosso presidencialismo berra nas páginas dos livros de história. Somos uma nação de condenados. Por imposição de um modelo institucional, somos sentenciados a suportar, longamente, governos incompetentes, corruptos, a respeito dos quais se acumulam suspeitas que se transformam em evidências e cujos males vamos tolerando em nome de uma governabilidade de regra capenga, negocista e inconfiável.

Se há algo que me amaina a consciência é saber que nos últimos 30 anos, nos meios de comunicação do Rio Grande do Sul, ninguém mais insistentemente do que eu combateu o presidencialismo. Aprendi a rejeitá-lo, primeiramente, nos ensinamentos do meu pai, o deputado Adolpho Puggina, e nos artigos de Mem de Sá, de Carlos de Brito Velho e Raul Pilla; posteriormente, no convívio com o dileto amigo e mestre prof. Cézar Saldanha Souza Júnior. Os primeiros morreram sem ver os infortúnios destes anos de bruma e tormenta. Mas sei o quanto padeceu seu discernimento, nas dificuldades dos tempos em que viveram, escutando o silêncio suscitado por seus clamores. O que sentiram não terá sido diferente do que sinto agora, nesta quadra da minha existência, tendo vivido os abalos de 1961, 1964, 1969, 1992, e os audíveis e inaudíveis ruídos destes últimos desregrados e corrompidos anos. O mundo avança e o Brasil se arrasta em seus emaranhados institucionais. Sinto como se as centenas de palestras e programas de rádio de que participei tivessem entrado por um ouvido e saído pelo outro; como se o que escrevi em centenas de artigos e, pelo menos, em dois capítulos de livros recentes, tivessem entrado por um olho e saído pelo outro.

Sim, estou cansado desse presidencialismo, cuja maior competência consiste em gerar crises sem lhes dar solução que não as agrave. Sim, estou cansado de ver a nação fechar os olhos ao mal que vê porque a medicina institucional - sabe-se - pode matar o paciente. Então, vivemos da denúncia. Quanto bem nos faz denunciar! Mas isso não desfaz o que somos: herdeiros incompetentes ... (a íntegra do artigo está disponível em http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/colunistas/percival-puggina/noticia/2017/05/herdeiros-incompetentes-9801207.html)


Especial para ZERO HORA, em 27/05/2017


NOTA ADICIONAL DO AUTOR: Em 2 de junho de 1988, ocorreu na Assembléia Nacional Constituinte uma negociação que visou beneficiar Sarney com um mandato de cinco anos. Foi uma espécie de primeira PEC. O projeto da Constituição que seria promulgada em 22 de setembro fixava mandatos presidenciais de quatro anos, mas Sarney queria cinco. E não queria parlamentarismo. Queria o poder com kit completo, tipo combo, como ocorre no malfadado presidencialismo. Naquela sessão, junto com a decência política da maioria parlamentar de então, morreram os dispositivos para introdução do parlamentarismo e modernização de nossas instituições. O episódio ficou conhecido como a “Festa das mãos espalmadas” (festa dos constituintes que queriam dar cinco anos àquele desastroso governo).  Daí a imagem que deveria acompanhar esta matéria e que pode ser vista aqui, por quem não a viu na postagem que fiz no Facebook.
 

 


Antonio Augusto d´Avila -   04/06/2017 21:18:59

MEUS PARABÉNS! MEUS APLAUSOS. O presidencialismo, no mínimo, é uma monarquia (governo de um só) maquiada. Em geral, é uma ditadura disfarçada: o Presidente precisa submeter o prostituível Congresso a qualquer, a qualquer preço mesmo.

Renato A. -   02/06/2017 13:50:25

Parlamentarismo e voto distrital puro.

André Godoy -   02/06/2017 10:51:28

Os parabéns, deveriam ser muitos, pois muitos são os textos deles merecedores. Em especial para este, pois de forma completa e definitiva, até que acordemos todos, nos define e desnuda perante nós mesmo. Mais uma vez, parabéns.

Jonah Hex -   02/06/2017 08:46:04

Na verdade não temos um presidencialismo de fato, temos na minha opinião um presiparlajudicialismo que uma mistura de presidencialismo com parlamentarismo e judicialismo, com capitalismo de compadrio (socialismo moderno) como sistema econômico.

Odilon Rocha -   02/06/2017 03:01:58

Caro Professor. Que artigo!!! Fico aqui imaginando os sentimentos que lhe vinham à mente enquanto preparava o texto. No meu entendimento, são talvez os piores momentos políticos da História do Brasil. É surreal ver uma quadrilha (todos os responsáveis por essa podridão) de gente de comportamento abjeto, nausebundo, "tocando" a governança. E os que acobertam e dão proteção também estão incluídos. Cadeia, nao! Masmorra com pão e água, somente, é pouco para essa gente. Para todos, indistintamente. Gerir uma Nação não é sonho de consumo. Um abraço

Ismael de Oliveira Façanha -   01/06/2017 23:08:41

O Parlamentarismo é derivado historicamente da Monarquia; é um sistema de governo, uma forma de governar, que não altera a índole, os costumes ou a cultura de um povo.

Genaro Faria -   01/06/2017 21:33:54

A própria proclamação da república, com o marechal Deodoro dando vivas ao Imperador, já mostrou que o enredo a desfilar seria o Samba do Crioulo Doido... na Casa da Mãe Joana. Mas o povo feliz destas terras em que o coqueiro dá coco e sabiá não canta nas laranjeiras, mas nas palmeiras tem um do especial: aprendemos com os erros... a errar muito mais.