Percival Puggina
O interlocutor me advertiu: “Não gosto de política!”. Mais ou menos como se dissesse "prefiro hip hop", "prefiro sorvete", "prefiro namorar". Eu também não gosto, respondi; aliás, detesto ter que viver sob o modelo institucional e a política que temos. Convenhamos, gostar disso, gostar mesmo, a ponto de o preferir a tantas delícias da vida é até sinal de mau gosto.
A política, porém, não perde sua importância em função de nossos agrados e desagrados. Ela vai influenciar nossa vida desde a qualidade da Educação até a sobrevivência na aposentadoria. Desde a concepção com ou sem aborto até a morte com ou sem direitos testamentários. É para lutar contra as deformidades que ensombrecem o céu da pátria que acordo todo dia de manhã, não raro após algumas horas de inquietude e insônia.
Nós temos, no Brasil, muitos maus hábitos. Um deles, com severos reflexos na política, é o de cair de pau nos problemas e fazer cafuné naquilo que os causa. Condenamos o que está errado e concedemos alvará de soltura para o que dá causa ao erro.
Está tudo errado. Mas não mexe. Morte às consequências! Longa vida às causas! “Vou desreformar tudo que foi reformado!” anuncia um ex-presidiário como plano de governo. Quando alguém sustenta a necessidade de promover mudanças para corrigir os erros, imediatamente as fisionomias exibem sinais de surpresa: de onde é que você tirou essa ideia? Nossas instituições são boas, dizem, só falta fazer com que elas funcionem.
Nessa crença tola, muitos fazem desavisadas genuflexões e reverências perante aberrações cotidianas cometidas pelos poderes de Estado. É nessa crença tola ou nessa desinformação, que tantos se deixam manipular por certos detentores de poder, indivíduos que jamais seriam convidados para jantar com a família de quem os conhecesse.
Em 2010, lancei meu livro “Pombas e Gaviões” com uma advertência de capa: “Os ingênuos estão na cadeia alimentar dos mal intencionados”. Os ingênuos apontam os problemas e não se preocupam de corrigir o que lhes dá causa. Ficam no sofá. São as pombas. Os mal intencionados conhecem as causas e se beneficiam da ingenuidade dos ingênuos. São os gaviões.
Pela ingenuidade de tantos e pela malícia de uns poucos, o ex-presidiário é candidato a presidente da República. Por isso, e só por isso, os gaviões do Senado e do STF vendem o privilégio da mútua tolerância com o rótulo dourado de “harmonia entre os poderes”, paga pelas pombas.
Permaneceremos encalhados nas arapucas do século XX? A decisão estará nas mãos dos eleitores de outubro. Estou convencido, porém, de ser preciso ouvir o cívico e irresistível rugir das ruas, antes de ouvirmos o rugir das urnas.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Fernando Cabral - 10/06/2022 08:47:16
Brilhante como sempre! Parabéns!!!José Rui Sandim Benites - 09/06/2022 17:03:23
É verdade por não conhecer como pensam os governantes. A situação do Brasil continua sendo o país do futuro. Mas as novas tecnologias vieram para facilitar o conhecimento. Todavia, tem que ter um direcionamento. Por que tudo na vida, tem coisas boas e más. Principalmente, para a juventude e até mesmo os com mais idade, por não acompanhar a política, ou por ingenuidade, poderão cair em uma arapuca. Os políticos pelos partidos, já se sabia qual seria o seu voto, quem acompanha a política. No entanto, no STF, apenas após o voto do Excelentíssimo Ministro que iria saber qual o seu entendimento da matéria posta. Atualmente não, dependendo do Excelentíssimo Ministro, já sabemos qual voto irá proferir. São novos tempos.Zulena Figueiroa - 08/06/2022 14:13:00
Como sempre brilhante!Menelau Santos - 08/06/2022 12:59:27
Belo aviso Professor. E os lobos vivem atacando o Presidente, "ele vai demolir a democracia", "ele é violento", "ele vai promover a ditadura". Como diz o Augusto Nunes, vivem condenando o Presidente por crimes futuros. Enquanto isso, são eles mesmos que estão erodindo as nossas instituições que, lógico, devem existir, mas não com essa composição e com esse comportamento.