CONTROLE CULTURAL SOCIALISTA - Estad?
O Estado de S. Paulo - SP, Opini? Ipojuca Pontes, 27/04/2009
Conforme determina cl?ula p?ea, um dos primeiros passos de Lenin na rota da “constru? do socialismo” dentro da URSS foi estabelecer o controle dos “meios sociais de produ?”, nele inclu?, ?o, o completo dom?o sobre os ve?los de comunica?, os estabelecimentos de ensino e a produ? cultural. Mas antes de adotar qualquer medida, demonstrando grande senso de objetividade, logo depois de desfechar seguro golpe sobre o governo provis? de Kerensky, o mentor da “ditadura do proletariado” tomou a iniciativa de mandar um bando armado se apossar das chaves do cofre do banco do Estado russo. Ele queria, desde logo, o controle da grana.
(S?t?lo de ilustra?, o historiador ingl?Orlando Figes, no seu bem documentado livro sobre a Revolu? Russa, A Trag?a de um Povo - Record, Rio, 1999 -, relata epis?, considerado a um s?mpo grotesco e brutal, do infeliz diretor do banco oficial que, ao negar a entrega das chaves da caixa-forte ao bando revolucion?o, levou um tiro na nuca depois de perder parte da m? arrancada por uma dentada.)
Ao impor o seu sistema de governo, de car?r totalit?o, Lenin, amparado no poder dissuas? da coer? e da viol?ia, tinha por objetivo a tomada (e a destrui?) dos “meios de produ? e express?do pensamento burgu? (em russo, burzhooi), tidos historicamente como ultrapassados. Caberia ?rdem emergente estabelecer os padr?de supremacia dos valores do pensamento prolet?o e fazer dos meios de comunica? e da produ? cultural instrumentos ideol?os a servi?da propaganda e das metas revolucion?as sob o controle burocr?co do Partido Bolchevique (leia-se comunista).
O modelo de “organiza? da cultura” imposto por Lenin nos primeiros anos do regime, embasados na censura e no patroc?o estatal, s?ingiu o patamar da excel?ia na era Stalin, univocamente voltada para a expans?da ideologia comunista no seio da sociedade. Para consolidar tal projeto e manter o ativo controle do aparato burocr?co sobre a difus?das ideias e da cria? art?ica Joseph Stalin, ent?considerado “Guia Genial dos Povos”, n?precisou chafurdar muito: ele tinha ao seu dispor, alojado no Comit?entral do Partido Comunista (PC), a figura de Andrei Aleksandrovich Jdanov, o estrategista da pol?ca cultural do regime e mentor do “realismo socialista”, o preceito est?co, de “valor universal”, que tinha como princ?o comprometer a cria? art?ica - notadamente no cinema, teatro, na literatura, m?a e pintura - com “a transforma? ideol?a e a educa? do proletariado para a forma? do novo homem socialista”.
Desde logo, com as chaves do cofre nas m?, Jdanov disse a que veio: fiel int?rete do esp?to revolucion?o, deixou a entender que dali em diante a atividade cultural seria uma empresa voltada para a implanta? do socialismo. Dentro deste escopo, Jdanov selecionou artistas e burocratas afiliados ao PC e estabeleceu as novas regras para obten? dos financiamentos oficiais no terreno das artes. Para avalizar os projetos culturais (ou censur?os) e distribuir as benesses ele fixou crit?os, organizou comiss?e conselhos e, no controle seletivo da produ? cultural, em vez de arte, criou a mais formid?l m?ina de propaganda jamais imaginada, capaz de fazer o mundo acreditar que Stalin era Deus e que o povo russo, submetido a eternas cotas de racionamento, vivia no para? terrestre.
Pensadores e artistas genu?s pagaram caro pelo processo cultural acionado pelo stalinismo, decerto mantido at?oje em v?as partes do mundo (vide Cuba, China e adjac?ias). A partir da “seletividade” imposta por Jdanov no campo da produ? cultural, centenas de criadores foram marginalizados da atividade art?ica. Outros foram presos ou ficaram loucos. Outros tantos foram cortados da lista de distribui? de benesses oficiais e segregados como “formalistas”, “reacion?os”, “cosmopolitas” e “inimigos do povo”.
No reino discricion?o da cultura oficial sovi?ca, por exemplo, a not?l poetisa Anna Akhm?va (para Jdanov, “meio freira, meio meretriz”) foi levada ?is?a; Maiakovski, ao suic?o; Soljenitsyn e Boris Pasternak, aos campos de concentra?. Dostoievski, por sua vez, foi banido das bibliotecas p?cas. O pr?o Serguei Eisenstein, o inventivo cineasta da propaganda stalinista, amargou o diabo depois que exibiu para o crivo cr?co de Stalin a sua vers?de Ivan, o Terr?l (parte dois), morrendo em seguida.
Em tempos recentes, depois da morte de Stalin, aos preceitos do jdanovismo foram adicionados, no campo da “organiza? da cultura” socialista, os ensinamentos de Antonio Gramsci (Il Gobbo), te?o comunista italiano, criador da estrat?ca “revolu? passiva”. O modelo tra?o por Gramsci para a constru? do socialismo, em vez do apelo ao mito da for?prolet?a, privilegia o papel da cultura e o poder multiplicador dos meios de comunica?, fundamental para a difus?de um novo “senso comum” no seio da sociedade. Sem a “revolu? do esp?to”, diz Gramsci, “a ser disseminada pelo intelectual org?co, n?se pode destruir o Estado burgu? (leia-se democrata).
No Brasil, ao assenhorear-se do poder, Lula e seus agentes passaram a laborar, dia e noite, aberta ou veladamente, na “constru? do socialismo”. Para consolidar tal projeto se faz necess?a, como o presidente-sindicalista j?eixou claro, a expans?do “Estado Forte”, em que ao indiv?o cabe pouco mais do que o papel de burro de carga, a alimentar uma colossal e dispendiosa estrutura burocr?ca.
Na esfera da cultura, desde a proposta de cria? da Ag?ia Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), em 2004, o governo, sempre tentando o controle total sobre os recursos tomados ?ociedade, busca a inger?ia direta no processo da cria? art?ica. Nada leva a crer que a atual investida na revis?da Lei Rouanet tenha outro objetivo. Caberia ao Congresso ficar atento a essa amea?totalit?a.
* Cineasta e jornalista, ?utor do livro Politicamente Corret?imos