• Percival Puggina
  • 01/06/2023
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Concurso de narrativas

 

Percival Puggina

         Meu barbeiro em Porto Alegre é um engenheiro venezuelano, ex-funcionário da PDVSA, a maior petroleira daquele país que conheci democrático e próspero no final dos anos 80. Meu engenheiro-barbeiro está feliz no Brasil onde pode se alimentar e “hacer otras cositas” com o produto de seu trabalho.

Ao passar a palavra a seu convidado de honra – o criminoso Nicolas Maduro – Lula disse-lhe que falasse à “imprensa livre do Brasil e de seu país”. O presidente brasileiro solidarizou-se com ele reclamando das narrativas que se fazem sobre a situação da Venezuela e recomendando-lhe que criasse sua própria narrativa, pois essa seria “infinitamente melhor do que a que eles têm contado contra você”.

Quando um ser humano deixa de lado os fatos e a verdade sobre os fatos, para se dedicar a narrativas, existem poucos lugares que pode passar a frequentar. Entre os que me ocorrem estão aqueles onde infelizes vendem seu amor, traficantes anunciam os prazeres de suas drogas, meliantes aplicam seus golpes e onde vicejam as vilanias e insânias do ciberespaço.

Uma sociedade minimamente prudente deve evitar que pessoas assim, ocupadas com “boas narrativas”, se envolvam com o interesse público, relações familiares, negócios sérios, educação de sua juventude, vida religiosa, etc. Não dá! É perigoso demais.

Infelizmente, o Brasil mergulhou de cabeça na tese de que as questões mais graves do país possam ser objeto de um concurso de narrativas, onde a única verdade que interessa é a que cerca um cartão de vacina ou o ato de fé num sistema de votação. Mas a que decide uma eleição é a narrativa vigarista de que o ex-presidente é responsável por 700 mil (por vezes 700 milhões) de mortes para que palermas de carteirinha a repitam freneticamente.

Ao dizer para o ditador da Venezuela que crie uma narrativa melhor do que a de seus adversários, Lula está fazendo um discurso completo sobre si mesmo. É o Confiteor de um impenitente orgulhoso de sua perdição.

Os seres humanos são livres, para o bem e para o mal. Deus nos quis assim, mas convenhamos, triste destino o nosso, cujo horizonte foi consumido pelas narrativas admitidas na disputa eleitoral de 2022. Prefiro dormir intranquilo, preocupado com meu país, do que dormir em paz depois de lhe haver feito tanto mal.

Em viagem na Itália, percebendo que sou brasileiro, pessoas me perguntam o que está acontecendo em meu país. Tenho respondido que, hoje, o bom povo brasileiro, se percebe irrelevante. A Lava Jato foi difamada e sepultada. Os delinquentes da política voltaram a seus negócios. Os bons congressistas são em número insuficiente para produzir algo que se possa chamar de democracia e estado de Direito.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


João Ito -   04/06/2023 22:12:48

Que triste hein professor... Há uma profunda desesperança nestes tempos sombrios.

Manoel Luiz Candemil -   03/06/2023 11:42:20

Parece que sepultada a lava-jato não foi, como mostra a condenação sofrida recentemente por Collor!

Luiz R. Vilela -   03/06/2023 10:23:41

Quem conta um conto, aumenta um ponto, diz o ditado. Porém é de se perguntar, quem constrói uma narrativa baseada apenas em falsidades, aumenta quanto? Tudo? Pois é! Aqui onde moro, o governo federal, despejou aproximadamente uns dois mil venezuelanos, por conta de um frigorífico da JBS. Todo essa gente se espalhou pela região e aqui na nossa cidade vieram alguns. São pessoa até que com certa formação profissional, mas que de nada tem lhes servidos. Trabalham em troco de um salário mínimo, chegam a morar em cinco pessoas numa quitinete e dizem que ainda mandam dinheiro para seus pais que ficaram na Venezuela. Quando perguntamos a eles, se a vida não estaria muito difícil, logo respondem que lá na Venezuela é bem pior. Povos que são atingidos por tragédias naturais, demoram, mas com afinco e perseverança, conseguem dar a volta por cima. Mas quando a tragédia advém de ranço ideológico, de apego excessivo ao poder e até mesmo do exercício extravagante do mandonismo, o final é esse mesmo por que esta passando o povo da Venezuela. Ouvir o que o ditador Maduro diz, nem de longe reflete o que sente e o que dizem os venezuelanos, principalmente os que tiveram que fugir de lá. Qualquer governante lúcido, deveria não só conhecer a narrativa do governante acusado, mas principalmente conhecer a narrativa dos que foram vitimados pelas circunstâncias. Um pais devastado por uma ideologia retrógrada e inconsequente, que só se instala através da força ou da fraude, será muito difícil que seu povo recobre a sua soberania, a tirania sempre estará sempre em alerta.

Lígia Bach Costa -   02/06/2023 07:16:34

Agradeço a análise perfeita da atual situação.