CARTA À CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
Senhores,
Na condição de fiel leigo, atuante em movimentos da nossa Igreja Católica, levo a essa nobre Congregação a minha inconformidade perante o que vem acontecendo na Conferência dos Bispos do Brasil. Os fatos não são estranhos ao conhecimento de Sua Santidade, o Papa Bento XVI. Falando aos bispos brasileiros do Sul III e IV, em visita ad limina, no dia 5 de Dezembro do ano passado, ele usou palavras muito claras ao adverti-los contra ?os princípios enganadores da Teologia da Libertação? e para ?o perigo que comporta a assunção acrítica, feita por alguns teólogos, de teses e metodologias provenientes do marxismo, cujas sequelas mais ou menos visíveis, feitas de rebelião, divisão, dissenso, ofensa e anarquia fazem-se sentir ainda, criando, nas vossas comunidades diocesanas, grande sofrimento e grave perda de forças vivas?.
Pois bem, nestes dias quaresmais, está em curso uma nova Campanha da Fraternidade, desta feita ecumênica, sob cujas sombras brilham citações evangélicas e sob cujas luzes se insinuam leituras marxistas da realidade social brasileira, afinadas com aquela reprovada subteologia.
Soma-se a tais distorções, na Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2010, um profundo desconhecimento das autonomias inerentes a duas esferas da atividade humana ? a da economia e a da política. Assumindo critérios de interpretação próprios do marxismo, ela busca atribuir à economia de mercado tarefas que são próprias da política ? esta sim, responsável pelos principais fatores que dão causa à miséria e às profundas desigualdades sociais do nosso país: analfabetismo, baixo nível intelectual, péssimo sistema educacional, deficiências culturais, má distribuição de renda, políticas monetárias, desníveis salariais do setor público, apropriação de 40% do PIB nacional pelo Estado, corrupção, descontrole do gasto público, bem como mordomias, luxos e prodigalidades custeados com recursos dos contribuintes. Não, não é a economia de mercado que dá causa aos problemas sociais brasileiros. É da má política e da inadequação de nossas instituições que tais males derivam.
Muito conviria a essa Congregação conhecer o desconforto e a rejeição suscitada pela atual Campanha, que, de modo solerte, confunde idolatria com economia de mercado e recua em relação à Doutrina Social da Igreja quando propõe vagos modelos ?alternativos? de organização da atividade econômica ?que privilegiem a solidariedade e a partilha?, sem nada explicitar concretamente ou apontando para instrumentos consagrados há mais de um século (como o cooperativismo em harmonia com a economia de mercado) ou, ainda, para o retorno às fracassadas experiências do socialismo. E, por outro viés, silencia sobre a firme orientação que o Santo Padre João Paulo II explicitou com tanta clareza nos nºs 41 e 42 da Centesimus Annus.
É preciso atentar para a gravidade da situação. A totalidade da opinião pública e da imprensa brasileira confunde a CNBB com ?a? Igreja. Quando alguém se manifesta nessa organização, seja o presidente, seja um assessor, as manchetes falam em manifestação ?da? Igreja. A Campanha da Fraternidade é ?da? Igreja. Seus temas e seus lemas também são vistos assim. Jamais, alguém da estrutura da organização faz a necessária distinção e esclarecimento, estimulando uma fusão e uma confusão que, ao que se infere, bem lhes convém.
Não bastasse furtar a riqueza espiritual da Quaresma para fazer dela um tempo de polêmica e radicalização política e ideológica, envolvendo o ano litúrgico em questões temporais e políticas desviadas da sã doutrina e da orientação pontifícia, a CNBB acaba de providenciar aos leigos brasileiros uma nova surpresa.
Periodicamente, a assessoria da instituição (o mesmo grupo de assessores que fornece a carne, os ossos, as cartilagens e o animus de seus documentos oficiais) emite ?Análises de conjuntura?. São textos que, se despidos dos eventuais recursos ao léxico religioso, poderiam constituir editoriais do Granma. Vêm, é verdade, com a observação de que não constituem ?opinião oficial da entidade?. Mas são acolhidas no site da CNBB, redigidas no seu estilo e pisam nas mesmas areias movediças por onde andam muitos de seus textos oficiais e oficiosos.
Agora, em plena efervescência das contestações à CFE de 2010, a mais recente ?Análise de conjuntura? sugere, claramente, a continuidade do governo Lula, através da pessoa indicada por ele para o suceder, posto que a eleição do oposicionista José Serra representaria ?o retorno da política neoliberal anteriormente efetivada por Fernando Henrique Cardoso, dialogando com os interesses do empresariado nacional e do capital internacional?.
O assunto trouxe a CNBB novamente ao noticiário, com ela arrastando ?a? Igreja Católica para o torvelinho do debate político e para as matérias de opinião. Esse não é o campo próprio da Igreja. Mas, repita-se, o ingresso da CNBB e de suas pastorais nesse jogo, com tal fardamento ideológico, não é novidade na cena brasileira. A CNBB e a maior parte de suas pastorais, seus documentos oficiais e não oficiais, sempre serviram às partidas disputadas pelo Partido dos Trabalhadores e pelas organizações da sociedade por ele lideradas. Mudam a música, mas não a letra. A identificação é tanta que a imprensa brasileira surpreendeu-se quando a CNBB veio a público reprovar certos preceitos do decreto presidencial que instituiu o Plano Nacional de Direitos Humanos, nos últimos dias do ano passado. A coisa soou como arrufos entre parceiros.
É uma pena. E penso que esteja a demandar uma atitude da Santa Sé para coibir abusos e desvios que tumultuam a vida da Igreja em nosso país, espalhando entre os fiéis a rebelião, a divisão, o dissenso, a ofensa e anarquia tão precisamente apontadas por nosso querido pontífice Bento XVI. Os problemas criados ?na? e ?pela? CNBB só se resolverão com uma total remodelação das estruturas de sua burocracia funcional e com a substituição dos atuais assessores. Eles evidenciam ter com seus vínculos ideológicos um compromisso muito superior do que com as angústias pastorais das dioceses. E arrastam a imagem da Igreja por esses descaminhos.
Em união de fé e amor ao Cristo Redentor.
Percival Puggina
Arquiteto, empresário e escritor em Porto Alegre, Brasil.
E-mail: puggina@puggina.org