• Olavo de Carvalho
  • 09/04/2009
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BRASIL-MENTIRA 1

Na? nenhuma tem o monop? da imoralidade, mas algumas foram dotadas com uma quota extra que as torna exemplos de escolha numa investiga? de filosofia moral. Ao incluir o Brasil entre elas, n?tenho em vista as famosas taxas nominais de corrup?, onde, ao contr?o, as compara?s com outros pa?s t?at?m efeito consolador sobre as almas dos nossos compatriotas. Refiro-me a fen?os de outra ordem, mais dif?is embora n?imposs?is de quantificar. J?bservei mais de uma vez que nossa literatura de fic?, escassa em personagens de grandeza excepcional, santos, her?ou monstros, ?ica em figuras de min?los farsantes, mentirosos, fingidores compulsivos e semiloucos de v?os matizes, que se abrigam numa esfera de irrealidade, fugindo da pr?a consci?ia. Com uma ou duas exce?s, os personagens do maior e mais significativo dos nossos romancistas s?todos assim. Tamb?o s?os de Lima Barreto, Raul Pomp?, Marques Rebelo, Annibal M. Machado e tantos outros, sendo at?ovardia lembrar a figura de Macuna?, na qual os brasileiros se reconhecem t?facilmente, e cuja veracidade sociol?a ?testada por um milh?de piadas populares que mostram os nossos conterr?os em tra? bem parecidos com os dele. Uma vaga consci?ia de que h?lgo de errado com os padr?de moralidade da nossa gente perpassa as conversas familiares, as cr?as de jornal, os espet?los de cinema e teatro, as novelas de TV etc., e alimenta algumas discuss?de mais alto n?l, como aquelas que aparecem em livros de Paulo Prado, M?o Vieira de Melo, J. O. de Meira Penna, Roberto da Matta, ®gelo Monteiro. O que a?e destaca n?? propens??riminalidade propriamente dita, mas uma tend?ia quase incoerc?l a preferir antes o fingimento do que a sinceridade, antes a apar?ia artificialmente constru? do que a realidade conhecida. ?como se o brasileiro n?acertasse jamais falar com a sua pr?a voz, sentindo-se antes compelido, por um intenso desejo de aprova? – tamb?ele camuflado –, a imitar o tom das conveni?ias moment?as. Desde os tempos de Lima Barreto, n?se atenuou nem um pouco o v?o nacional de sacrificar a ambi?s mesquinhas, se n??usca obsessiva de seguran?contra perigos imagin?os, os impulsos mais altos do esp?to humano, condenando-os, n?raro, como tenta?s pecaminosas, provas de vaidade, cobi? pedantismo ou desprezo pelos semelhantes. As voca?s intelectuais e art?icas s?a?specialmente sacrificadas, n?s?ando se veem esmagadas pela press?e pela chacota do ambiente, mas at?esmo quando se realizam, porque o fazem num sentido oportun?ico e farsesco, o ?o poss?l nessas condi?s, que as transforma em caricaturas de si mesmas. Nas ?mas d?das, por? essa deformidade moral cr?a foi se acentuando de tal modo que come?a assumir as fei?s de uma sociopatia alarmante, disseminada sobretudo entre as classes cultas com mais acesso aos meios de difus? As opini?dessa gente v?se afastando dia a dia de todo padr?universal de veracidade e moralidade, ao ponto de constituirem j?m sistema ?co peculiar, v?do s? territ? nacional, fechado e hostil ?exig?ias da consci?ia humana em geral, inacess?l a toda cobran?superior de idoneidade e racionalidade. O mais caracter?ico desse novo sistema ?ue seus criadores e representantes n?t?a mais m?ma id? de quanto suas falas, atitudes e julgamentos s?imorais, maliciosos e alheios ?ele m?mo de franqueza que uma alma deve ter ao falar consigo mesma para que, quando fala com os outros, se reconhe?nela a voz de uma consci?ia, um esp?to alerta, uma presen?viva. Falar numa linguagem de estere?os, com um automatismo sufocante, parece que se tornou obrigat?. O fator que mais contribuiu para isso foi decerto a tomada dos meios de comunica?, do sistema educacional, das institui?s de cultura e dos altos postos da pol?ca por uma gera? marcada pelo sentimento de vitimiza?, acompanhado, inevitavelmente, da cren?na sua bondade intr?eca e na recusa completa, radical, absoluta, de encarar seus supostos inimigos como sujeitos humanos portadores de consci?ia moral, capazes de dar raz?de seus atos e merecedores de um confronto justo. O sentimento de impec?ia essencial, que est?oje disseminado em todas as classes falantes deste pa? predisp? um discurso de acusa? indignada que encobre os mais ?os pecados pr?os sob a impress?– artificiosamente reiterada ao ponto de tornar-se uma carapa?invulner?l – de estar sempre discursando em nome de valores sublimes sufocados pelo mundo mau, quando, na verdade, o que torna o mundo mau ?cima de tudo o n?o excessivo de pessoas imbu?s desse mesmo sentimento. Um dos sintomas mais alarmantes dessa patologia ? f? justiceira com que as autoridades e seus ac?os, os formadores de opini? investem contra delitos menores, sobretudo de ordem financeira, ao mesmo tempo que toleram, como detalhe irris?, a taxa anual de 50 mil homic?os que faz do Brasil a na? mais cruel e assassina do mundo. Quando um magistrado exclama que 94 anos de cadeia s?puni? branda para a sonega? fiscal e delitos correlatos, ao mesmo tempo que assassinos em s?e, seq?radores e traficantes de drogas s?protegidos pela leni?ia das leis e ainda celebrados como v?mas da sociedade m?est?laro que uma nova classe falante subiu ao primeiro plano da cena p?ca, intoxicada de uma tal dose de rancor invejoso contra a burguesia, que n?hesita em conceber traficantes multibilion?os como pobres v?mas do capitalismo, fazendo deles aliados na epopeia revolucion?a da justi?social que pretende implantar. * Ensa?a, jornalista e professor de Filosofia