• Percival Puggina
  • 09/01/2011
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AS COISAS NÃO SE MUDAM

Escreve-me um leitor: Não é contraditório o senhor afirmar que o modelo institucional brasileiro concentra excessivos poderes nas mãos do presidente e, ao mesmo tempo, defender um sistema que atribui o governo à maioria parlamentar? O senhor não sabe que o parlamento britânico talvez só perca para o venezuelano em matéria de aprovação de projetos enviados pelo executivo, e que a quase totalidade das leis nele votadas são de iniciativa do governo de Sua Majestade? Sei. Sei sim. Claro que sei. Aliás, ainda que não soubesse, bastariam uns poucos neurônios para intuir. Nada mais natural, nos regimes que atribuem o governo à maioria parlamentar. Se é a maioria que governa, que sentido há em derrotar os projetos do governo? Aliás, quando isso acontece reiteradamente ou em matéria de grande relevo, o governo cai. Portanto, o meu leitor não encontrou um ninho de éguas. A coisa é assim mesmo, é natural, e o avesso seria tão impossível quanto absurdo. De resto, é absurdo, também, sugerir que a concentração de poder no sistema britânico seja superior a que se verifica no Brasil. Essa não! Estamos assistindo nestes dias o loteamento dos cargos entre os partidos que nos governam. Dezenas de milhares! São cargos de governo, são cargos em funções de Estado e são cargos na administração pública. E é aí que mora o problema. Nos regimes onde o governo é atribuição da maioria parlamentar não existe tal apropriação. O governante só nomeia os titulares dos cargos de governo. Sua caneta não chega aos escalões da administração e, menos ainda, do Estado. No Brasil, o partido que manda assume, também, com seus militantes, a máquina administrativa, onde há muito mais cargos do que no governo. E a administração, que deveria ser profissional, técnica e partidariamente isenta, vira aparelho partidário. Não bastasse tamanho abuso, muitas das tarefas de Estado, como agências reguladoras, parte do setor financeiro, instituições ligadas à segurança, entre outras, são, também, providas pela caneta presidencial. E como não é a maioria parlamentar que faz o governo, mas é o governo que tem que correr atrás da maioria parlamentar, instala-se o sistema de barganha, cooptação e corrupção que, pouco a pouco (o correto seria dizer muito a muito), vai avacalhando a política no país, institucionalizando mais e mais a corrupção e ampliando o gasto público com cargos criados para compor ativos que o governo disponibiliza no balcão das negociações. De nada serve reprovar o tipo de política que temos, a partir dos erros que todos vemos, e passar recibo para aquilo que lhe dá causa - esse modelinho podre que adotamos. Muitas vezes me perguntam como se faz para mudar isso se as mudanças dependem da decisão de poderes e partidos que se beneficiam das perversões institucionais descritas. Ora, as coisas não se mudam. Não se mudam por si mesmas. É preciso mudá-las. Numa democracia, o soberano é o povo e as coisas só mudarão quando o povo assumir a retificação das instituições como critério de voto. ______________ * Percival Puggina (66) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.