• Percival Puggina
  • 07/03/2025
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Ainda estou aqui. Conheço esse truque.

 

Percival Puggina

                O prêmio atribuído ao filme de Walter Salles Jr. na recente cerimônia do Oscar não é dos que me encheriam de orgulho pátrio. Um Nobel – unzinho só – em Literatura ou Ciências me faria bem mais feliz. Nosso longo jejum de 124 anos junto à Real Academia Sueca diz muito sobre um país onde os melhores talentos naturais vão embora, a começar pelos craques da bola, que, ainda imberbes, seguem direto do campinho da vila para a Europa.

O filme “Ainda estou aqui” reproduz o velho truque usado pelo mesmo diretor, com muito sucesso político, na produção de “Diários de motocicleta (2004)”. Naquele início de milênio, curioso por conhecer um país comunista, eu fizera minhas primeiras andanças por Cuba em voos baratos da Cubana de Aviación. Lera muito sobre a revolução e seus dois principais personagens – Fidel e Che – e publicara, no mesmo ano, a primeira edição de “Cuba, a tragédia da utopia”.

O truque do laureado cineasta consistiu então, como agora, em contar de modo talentoso a parte politicamente conveniente de uma história real. É um recorte, um short, um mero tik tok extraído do que realmente aconteceu, porque contar a história inteira arruinaria o efeito político desejado.

“Diários de motocicleta” conta a viagem que os jovens mochileiros Ernesto Guevara de la Serna e seu amigo Alberto Granado fizeram em 1952, saindo de Buenos Aires rumo a Caracas. No percurso de moto, entre aventuras e vicissitudes, os dramas sociais vistos ao longo do percurso andino vão alterando o espírito de Ernesto, levando-o a gastar o tempo livre na leitura de obras marxistas e na redação do diário de viagem.

Um de seus trechos mais expressivos se reporta ao curto período em que o Ernesto e Alberto passaram à margem do Amazonas num leprosário cuidado por religiosas peruanas. Do que ali aconteceu, Salles ressalta dois episódios: a) os viajantes se recusaram a utilizar as desnecessárias luvas que as freiras exigiam para contato com os pacientes; e b) no domingo, por ausência à missa, foram punidos com supressão do almoço porque a regra das irmãs era a de que “quem não alimenta o espírito não merece o alimento do corpo”.

Os dois relatos, como desejava o cineasta, induzem o telespectador a concluir que Ernesto foi mais cristão do que as freiras, mais generoso nas suas relações e mais sensível do que elas aos problemas dos doentes... Ou seja: o argentino era um anjo de bondade e as irmãs um bando de mulheres perversas.

No entanto, à semelhança do que acontece mundo afora em tantos leprosários mantidos há séculos por ordens religiosas, as irmãs de San Pablo passaram suas vidas num recôndito da selva amazônica cuidando, anonimamente, dos portadores da terrível enfermidade. Não mereciam que Walter Salles Jr., em seu intuito de construir o mito do Che, exaltando o comunista e zombando do cristianismo, as apresentasse ao público como insensíveis megeras.

O filme de 2004 termina abruptamente, quando os dois amigos se separam. Uma mensagem na tela informa que Ernesto Guevara de la Serna se incorporaria à revolução cubana e se tornaria um de seus comandantes. Mas que diabo! É ali que sai o adolescente mochileiro e entra o vulto histórico tomado pelo ódio mortal aos adversários, transformado em fria “máquina de matar”. E esse é apenas um dos maus resultados da ideologia que as duas realizações querem mostrar virtuosa, pois “Ainda estou aqui” faz a mesmíssima coisa. Os dois filmes com a história inteira de seus personagens Walter Salles Jr. não fez e jamais fará.

Achou ruim? Pior, muito pior, é saber que nas salas de aula do Brasil a mesma extrema esquerda aplica idêntico truque para enfeitar os recortes, os tik toks, proclamados como inteiras verdades históricas sobre os mais variados assuntos.

*       Este artigo usa trechos de dois artigos que escrevi para o Correio do Povo em maio e julho de 2004.

Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.


JORGE LUIZ FENERICH -   08/03/2025 13:24:22

Somos (tenho 72 anos)a geração que viveu a tragédia comunista na américa do sul e sempre a ignoramos mas eles os comunistas insistem na mesma tecla desde os anos trinta doutrinando o povo ignorante com uma ideologia extremamente testada e cujo resultado sempre foi uma tragédia mas continuam insistindo. De que filme mesmo estamos falando???

Odilon Rocha -   07/03/2025 19:34:11

Não vi e nem vou ver. Desnecessário explicar longamente. Sabemos o que há por trás desse embuste. Será que o Valter Sales se animaria a fazer um filme entitulado "Ainda estamos aqui", mostrando o drama e o sofrimento dos que ainda estão na prisão, pelo inexistente golpe do famigerado 8 de janeiro de 2023?

Jorge Braga -   07/03/2025 15:26:03

Não vi e não quero ver, pois pelo que me informei trata-se de um recorte da realidade, como outros tantos usados para disseminar a nefasta ideologia esquerdista bolorenta. Quem conhece a história toda sabe o que aconteceu durante o governo militar ou Redentora ou contra-revolução, pois houve perdas de ambos os lados, o que foi encerrado com a Anistia, ampla, geral e irrestrita!

Manoel Luiz Candemil -   07/03/2025 10:45:00

Explicação sucinta e clara! Parabéns!

Danubio Edon Franco -   07/03/2025 09:44:36

Não vi o filme, por isso não tenho condições de opinar. Ainda assim, registro meu reconhecimento a tua coragem em enfrentar um filme que virou comoção nacional; por pouco não decidimos invadir Los Angeles para garantir o prêmio de melhor atriz. Mais uma vez, meus cumprimentos por tua coragem.

CARLOS JUAREZ DE BRITTO LEITE -   07/03/2025 08:45:43

Excelente!

Afonso Pires Faria -   07/03/2025 08:12:15

Como eu costumo dizer: venceram os senhores Marx, Engels, Gramsci, Alinski, Paulo Freire et caterva. O mestre dos encantadores de jumento, ele mesmo, Lul4, diz e aplica que "primeiro se cria uma narrativa.". Parabéns professor, excelente comparação entre as duas obras do nosso diretor, agora com prêmio nobel.