• Paulo Moura
  • 07 Novembro 2014


As pesquisas possuem grande poder de prognosticar tendências da opinião eleitoral. São pesquisas não publicadas que orientam as estratégias que vencem eleições. No entanto, as pesquisas publicadas têm limites raramente compreendidos pelos leigos e mesmo pelos jornalistas que as comentam.

Nessa eleição a diferença entre o que as pesquisas diziam ao final do primeiro turno e o que as urnas revelaram levou os institutos ao descrédito e minimizou o poder do efeito “bandwagon” (onda de adesão ao líder nas pesquisas) no segundo turno. O eleitor brasileiro parece ter desprezado as pesquisas para decidir em quem votar.

Segundo Bourdieu, em artigo dos anos 1970 (“A opinião pública não existe”), opinião é um discurso articulado impossível de ser traduzido em percentuais. Diz ele, que nem todas as opiniões se equivalem e nem todo mundo tem opinião sobre o que perguntam as enquetes que convertem respostas em percentuais. Igualmente, não existe um consenso pré-estabelecido sobre os problemas que deveriam ser objeto das pesquisas. Ou seja, por trás de quem encomenda a pesquisa e decide o que perguntar há o interesse de influenciar quem lê a pesquisa publicada, mesmo quando o rigor metodológico é obedecido na coleta e análise dos dados. A manipulação não estaria no rigor do método, mas nesses pressupostos falsos sobre os quais se constroem as pesquisas publicadas.

Pesquisas publicadas são cortes verticais na massa de opiniões, no curto espaço de tempo em que os pesquisadores vão a campo. Numa eleição as opiniões estão em movimento, sob influência da disputa entre grupos organizados pela conquista dos indefinidos. Hoje, a opinião é tão arisca quanto o click do mouse que nos conduz a outra página na rede.

As opiniões se formam em círculos de convivência e obedecendo a uma lógica que não encontra em índices estatísticos a forma adequada de representação. Os trackings (monitoramento quantitativo diário) e as pesquisas qualitativas (grupos de eleitores que assistem a propaganda e os debates quando estão no ar, observados por analistas) são os instrumentos que os estrategistas usam para ler essas percepções e calibrar a propaganda para captar votos.

Numa eleição “empatada”, se um fato político (denúncia, escândalo, falha em debate) ocorre muito próximo à coleta de dados, provocando mudanças bruscas das opiniões individuais, dificilmente a pesquisa publicada captará essa alteração. Isso não significa que o instituto errou ao divulgar os índices sobre aquelas perguntas, no momento em que perguntadas. Significa apenas que a pesquisa publicada não capta a mudança brusca.

A situação na qual se constitui a opinião na reta final de um segundo turno em que poucos eleitores indefinidos podem se decidir com base em quaisquer fatores é o inferno dos institutos. As pessoas estão diante de opiniões sustentadas por grupos. Ao se posicionarem estão escolhendo entre grupos, num contexto de disputa de poder e correspondendo a um determinado estado da correlação de forças entre posições em guerra. Quem mantêm distância relativa dos polos que se opõem nesse conflito, os famosos “indecisos”, decide em função da pressão dessas forças constituídas.

As estratégias das campanhas consistem da construção de respostas para demandas comuns dos eleitores. Como essas demandas são as mesmas e as pesquisas encomendadas pelos candidatos mostram isso para todos, impõe-se uma equalização das estratégias que passam a jogar ao máximo com a dissimulação das clivagens para ganhar os votos flutuantes.

Nesse contexto as pesquisas publicadas adquirem relevância extrema para a “fabricação” da opinião pública. A publicação dos resultados de pesquisas prejudica uns e favorece outros. Por isso, criam-se jogos retóricos com a finalidade de usar os resultados para influenciar a interpretação que as pessoas fazem das pesquisas publicadas. E dê-lhe compartilhamentos dos resultados e interpretações que “me favorecem”.

Javier Del Rey Morató mapeou alguns desses artifícios que ele chama de “jogos do termômetro social”. Hoje, diz ele, a difusão desses jogos ocorre sem restrições, e, muitas vezes, seus porta-vozes são analistas a serviço de candidatos. Agentes interessados patrocinam pesquisas e disputam a imposição de versões interpretativas dessas pesquisas. Essas pesquisas estruturam a guerra de versões e desenham o cenário em que vão se desenvolver os jogos de linguagem.

Os jogos retóricos pela imposição de versões sobre as pesquisas buscam definir um cenário que se abre com o jogo de prognóstico dos resultados eleitorais futuros, tomando como base a leitura de resultados de pesquisas presentes. A imposição de uma determinada leitura das pesquisas fisga o observador num anzol.

O analista de pesquisas publicadas, dessa forma, insere-se no jogo como uma espécie de vidente. Apoiar-se no prognóstico dele, se ele “nos favorece”, ou desconstituir esse prognóstico usando outras pesquisas ou outras interpretações das mesmas pesquisas, se ele “nos prejudica”, é um imperativo da disputa em torno da construção de um clima de opinião que “nos interessa”. O passo seguinte é enredar o eleitor na crença de que o simulacro é a realidade. Por isso, nessa eleição, vimos institutos aparentemente independentes, “prestando serviços” às duas candidaturas que passaram ao segundo turno.

Nem sempre funciona. Quando os institutos erram algum prognóstico, depois de terem inundado o espaço midiático com estimativas sobre o resultado da eleição, para explicar a distância entre o prognóstico e o comportamento eleitoral, recorrem às margens de erro; às mudanças bruscas das opiniões sob impacto de fatos novos, enfim, todo o tipo de argumento “técnico” é usado para explicar o inexplicável.

* Cientista político

http://professorpaulomoura.blogspot.com.br/

 

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  • Cleber Benvegnú
  • 06 Novembro 2014

 

A mais perversa das elites é a elite estatal. Ela quer que você compre um carro e diga: “Obrigado, governo. Como você é bondoso!”. Faça uma faculdade e diga: “Obrigado, governo. Eu te devo essa!”. Suba na vida e diga: “Obrigado, governo. Eu não seria nada sem você!”. Ela sequestra seu pensamento e inverte a lógica da vida social, fazendo parecer que você serve ao governo _ e não o contrário.

O protagonismo das pessoas é substituído pelo protagonismo do aparato estatal. Embalada no glamour da luta de classes, essa elite se apresenta como monopolista da justiça. Como se o dinheiro dos impostos, que subsidiam absolutamente todos os beneplácitos estatais, não viesse da própria sociedade. Como se o Estado, ele mesmo, gerasse riqueza e desenvolvimento.

A história é repleta de exemplos de elite estatal, à direita e à esquerda _ na América Latina, recentemente, esse último exemplo é mais vasto. Mistura supremacia coronelista com populismo assistencialista. Discursa para um lado e, com os seus, age para o outro. Enriquece nas barbas do poder. E legitima tudo em nome de um fim supostamente elevado.
É uma elite que verbaliza amor aos pobres, desde que estejam a seu serviço. Que prega integração dos negros, desde que julguem conforme seus interesses, sem trair a “causa”. Que quer conciliação, desde que ganhe as eleições. Que defende liberdade de imprensa, desde que os critérios disso sejam definidos por seus conselhos.

A elite estatal quer fazer crer que ela é o próprio bem. Quer substituir-se à ética universal. Quer que você se sinta em débito, creditando-a como um instrumento de solidariedade. Quer posicionar-se como indispensável até mesmo no ambiente privado. Se deixar, quer até mesmo dizer como você deve educar seus filhos. Quer que você devolva algo que simplesmente é seu, por direito natural e constitucional.

Não deixe que ninguém roube seus méritos e seu protagonismo. Nenhum partido é dono do seu destino. Nenhum. Quem faz acontecer são as pessoas, não o governo. Libertar-se dessa culpa social é um passo importante para evoluir. É o antídoto para evitar uma nação politicamente amorfa e culturalmente refém.

* Jornalista

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  • Maria Lucia Victor Barbosa
  • 05 Novembro 2014


O PT, cuja essência é autoritária sempre requereu para si o monopólio do poder, da virtude e da verdade. Logrou ascender ao cargo mais alto da República na quarta vez depois da escalada persistente de Luís Inácio da Silva, cuja imagem cuidadosamente construída simbolizou o proletário para estar de acordo com a teoria de classes de Karl Marx. Ele nunca foi um proletário – homem pobre com família numerosa que só tem por bens sua prole – e sim, por breve tempo, esteve entre os metalúrgicos que compõem a elite do operariado.
Conquistado o poder o PT se desfez do monopólio da virtude, pois se no Brasil a corrupção é histórica e endêmica, a militância petista dos altos cargos transformou seu partido no mais corrupto de toda nossa história.
Quanto ao monopólio da verdade evidenciou-se na prática ao contrário, ou seja, da propaganda enganosa às contabilidades criativas o governo do PT fez da mentira sua arma de sustentação e manutenção no poder. Nesta linha de conduta os petistas abusaram do contraditório, contradizendo o que antes afirmavam como o próprio Luís Inácio que se disse uma metamorfose ambulante.
Além do mais, petistas nunca erram sendo os outros sempre os culpados. Em outra estratégia o governo dividiu para governar estimulando o ódio entre ricos e pobres e, num esdrúxulo recorte da luta de classes promoveu o embate entre brancos e negros, heterossexuais e homossexuais.
Na recente campanha que terminou com uma pequena diferença a favor de Rousseff a exacerbação da mentira teve contornos sórdidos e logrou transformar primeiro, Marina, depois Aécio, em monstros perniciosos que ao lado dos banqueiros matariam os coitadinhos dos pobres de fome e lhes tiraria todos os benefícios presenteados pelo pai Lula. Marina seria a vacilante, a homofóbica. Aécio o bêbado que batia em mulher. Essas e outras sandices eram difundidas incessantemente na propaganda eleitoral gratuita, em palanques onde Rousseff “fez o diabo” e Luís Inácio parecia necessitado de um exorcismo. Conforme a revista Veja, odiada por Lula e demais companheiros: “o PT distorceu fatos, falsificou a história e manipulou eleitoralmente a divulgação de informações, jogando o nível da disputa na lama”.
No seu discurso após ser reeleita, Rousseff lançou Luís Inácio ao chamá-lo duas vezes de presidente. Portanto, nem bem terminou uma campanha outra já começou como demonstração do projeto que visa á continuidade do PT no poder. Contudo, seria interessante considerar alguns fatos:
1º - Luís Inácio perdeu feio no seu berço político, São Paulo, onde não logrou eleger o terceiro poste. Perdeu no Rio de Janeiro, no Sul e em vários Estados. Seu partido, ainda que continue forte, perdeu deputados, senadores, governadores.
2º - O primeiro mandato da criatura, arrasador para a economia, tende a piorar neste segundo com aumento da inflação, da inadimplência, da queda da renda, do desemprego e do crescimento zero.
3º - O PT tanto utilizou o ódio como ferramenta de divisão social que conseguiu implantar esse sentimento na sociedade. Isto apareceu de modo inequívoco no comportamento antipetista que se alastrou praticamente pela metade dos eleitores durante a campanha, de modo nunca havido e que tende a continuar.
4º - O projeto golpista do governo de criação de comitês populares ou sovietes foi derrubado na Câmara, enquanto vai se armando no Congresso uma oposição que inclui parte do PMDB.
6º - Partidos estão se engalfinhando por ministérios e demais cargos e vai ser difícil contentar a todos, a menos que Rousseff acrescente mais ministérios aos 39 já existentes com as devidas repercussões negativas para os cofres públicos.
Disto se deduz que Luís Inácio e seu partido nunca enfrentaram tantas dificuldades. Entretanto, não se pode subestimar poderio petista. Para enfrentá-lo seria necessário o surgimento lideranças parlamentares de fato oposicionistas e a manutenção da lucidez antipetista na sociedade
Se tal não acontecer e o governo dominar o STF nos moldes bolivarianos, domesticar o Congresso e a sociedade não reagir, a ditadura da militância se instalará de vez através de uma constituição feita à sua imagem e semelhança, da censura aos meios de comunicação, de outras medidas autoritárias que implantem a sonhada democracia de massas. Ainda é tempo de não virarmos uma Venezuela e sistemas congêneres da América Latina. Todavia o perigo existe porque os embriões da falsa democracia já estão plantados no Brasil.
Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.
mlucia@sercomtel.com.br
www.maluvibar.blogspot.com.br
 

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  • Paulo Briguet
  • 04 Novembro 2014

 

Li recentemente dois livros que ajudam entender a atual situação brasileira: “Antes que anoiteça”, do poeta cubano Reinaldo Arenas, e “A Brincadeira”, do romancista tcheco Milan Kundera. Um terceiro livro importante para esclarecer os dias correntes é “Ponerologia”, do psicólogo polonês Andrew Lobaczewski. Eu diria que as obras de Arenas e Kundera descrevem de maneira literária o mesmo drama que Lobaczewski analisa pelo viés científico: o que acontece quando um partido de psicopatas e criminosos assume o poder.

É inconcebível que uma pessoa intelectualmente honesta leia o livro de Reinaldo Arenas e continue defendendo o regime cubano. A quantidade de sofrimento a que esse homem foi submetido por Fidel Castro e sua revolução desafia os limites da expressão verbal. Foi preciso que um escritor de talento sofresse na pele a brutalidade do socialismo cubano para traduzi-la de maneira adequada. Arenas escreve “com o coração nas mãos”.

O título “Antes que anoiteça” faz referência ao período em que o escritor cubano, fugitivo da polícia de Fidel, escondeu-se nos bosques de um local como Parque Lênin. Durante o dia, escondido nas copas das árvores, ele escrevia seus poemas e memórias. À noite, era impossível escrever, por causa da escuridão.

Arenas deixou Cuba durante o chamado “Êxodo de Mariel”, em 1980, quando mais de 100 mil pessoas trocaram o paraíso socialista pelo exílio nos Estados Unidos. Mariel é esse mesmo lugar em que o PT está financiando a construção de um porto para a ditadura cubana, com o dinheiro dos brasileiros.

Em “A Brincadeira”, Kundera conta a história de um jovem que resolve escrever um bilhete irônico para a namorada nos seguintes termos: “O otimismo é o ópio do gênero humano! O espírito sadio fede a imbecilidade. Viva Trotsky! Ludvik”. A intenção de Ludvik era apenas impressionar a moça, mas a brincadeira se torna sua desgraça. Considerado inimigo do regime socialista, ele perde a vaga na universidade e é obrigado a trabalhar em uma mina de carvão (da mesma forma que Arenas seria obrigado a trabalhar em um canavial).

O professor José Monir Nasser dizia que o socialismo é o império da inveja e da delação. Os livros de Kundera e Arenas retratam perfeitamente essa atmosfera de medo e desconfiança, em que o suposto amigo pode ser um informante do governo. Se as coisas no Brasil continuarem seguindo o mesmo rumo, em breve poderemos ser destruídos por uma brincadeira ou precisaremos escrever nossas opiniões escondidos antes que anoiteça. Aliás, já anoiteceu. Eles estão – e continuam – no poder.

www.jornaldelondrina.com.br/blogs/comoperdaodapalavra/

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  • Fernando Schüler
  • 03 Novembro 2014

 

A verdade é que o País sai dividido, dessas eleições. Ninguém deve se preocupar com os amigos que perdeu nas redes sociais. Se eram amigos de verdade, eles vão voltar. Deixa passar mais uma ou duas semanas, e tudo volta ao normal. Mas o País mudou, não tenho dúvidas.
O governo ganhou as eleições, mas o seu partido claramente perdeu a hegemonia sobre a classe média com maior escolaridade, nos centros urbanos brasileiros ”Hegemonia“ é uma palavra meio antiquada, mas serve, aqui, para dizer o seguinte: o governo perdeu o debate, a influência política, em um segmento da população em que, de fato, aconteceu um debate. O mais intenso debate desde a redemocratização.
Vejamos os números da eleição: nas capitais, Aécio fez 58%, contra 42% de Dilma. As últimas pesquisas indicava que Aécio alcançava pouco mais de 60%, contra pouco menos de 40% de Dilma Rousseff, entre os eleitores com nível superior. Esta semana, me chamou a atenção um infográfico sinalizando em vermelho, no mapa do Brasil, os pontos de maior circulação de mensagens na internet, referentes à eleição. As partes em vermelho correspondiam, grosso modo, às áreas em que Aécio venceu as eleições.
Diante disso, torcedores mais apaixonados da oposição dirão que “é óbvio”: pessoas com mais informação votaram em Aécio. Torcedores mais apaixonados do governo dirão, da mesma forma, que “é óbvio”: o pessoal que tem computador e internet é o mais rico, e os mais ricos votaram em Aécio. Por esse raciocínio, não foi a dependência ao bolsa família ou a maior vulnerabilidade diante do Estado, que levou milhões de eleitores muito pobres a depositar seu voto na candidata do governo. Foi algo como sua “consciência social”. Devo esta expressão a uma querida amiga, professora e apoiadora do PT. Perguntei se poderia usar a expressão “consciência de classe”, para os usuários do bolsa família, mas ela achou um pouco forte. E me sugeriu usar “consciência social”.
Cada pode formar seu juízo. O fato evidente é que o eleitorado com mais renda, maior escolaridade, mais conectado e urbano, tendeu a apoiar Aécio. O contrário ocorrendo com o eleitorado com menos renda, menor escolaridade e mais distante dos centros urbanos. Como a eleição já passou, talvez possamos pensar sobre os fatos com menos espírito de torcida, tentando tirar proveito (cada um como desejar), do aprendizado que a eleição oferece.
A perda de hegemonia da esquerda tradicional, liderada pelo PT, sobre parcela significativa da classe média, não se deu simplesmente pela ação de uma monstruosa onda conservadora. Pela ação dos “coxinhas”, “nazistas”, “filhinhos de papai” e todo o acervo de impropérios utilizados pelos partidários do governo, no calor da disputa política (o lado contrário igualmente gastou seu estoque de impropérios).
Penso que, um pouco mais abaixo da espuma ideológica, há um fenômeno novo nestas eleições. Trata-se do aparecimento, com alguma força e organicidade, de um pensamento de esquerda democrático e liberal, que decidiu romper com seu tradicional alinhamento ao petismo. Marina Silva é, por óbvio, o grande exemplo desta ruptura. Mas há muitos, bem representados nas figuras de Luiz Eduardo Soares, do Senador Cristovam Buarque e do ex-deputado federal do PT e hoje líder do PV, Eduardo Jorge. Estes vieram a se somar a muitos que há mais tempo seguiram o mesmo caminho, como Fernando Gabeira, Francisco Weffort, Augusto de Franco, José Álvaro Moisés e tantos membros do PPS (Roberto Freire a frente) e do PSB (Eduardo Campos a frente), bem como intelectuais e ativistas, em todo o País. E é sugestivo que, com o PT, tenha ficado o PSOL, a esquerda flash back dos anos 80.
A primeira grande geração que rompeu, ainda nos anos 80, com a esquerda tradicional, foi a dos próprios fundadores do PSDB. Fernando Henrique, Mário Covas, José Serra e tantos outros. Pessoas que perceberam que a agenda global havia mudado. Que era preciso modernizar o Estado, como requisito para a inserção soberana na economia globalizada. Que o muro de Berlim havia caído, e que era preciso aprender alguma coisa com a experiência bárbara do socialismo real. De certo modo, esta eleição propiciou um encontro (que em muitos casos é um reencontro). Entre aqueles que perceberam antes, e aqueles que foram, com o tempo, aprendendo coisas semelhantes, com seu próprio jeito e sua própria história.
A esquerda tradicional, como de hábito, optou pela saída fácil: todos que romperam nada mais fizeram do que se bandear (como se diz no Alegrete) para “a direita”. Em uma época em que o xingamento parece substituir qualquer reflexão politica, em especial nas rinhas de galo, na internet, dizer isto é realmente fácil. Serve para afugentar qualquer pensamento perigoso em relação a si mesmo.
Por esta lógica, o mundo político é como uma mesa de pingue-pongue. Tem dois lados, dois jogadores. Um é legal e defende todas as boas causas. O outro é o lobo mau, às vezes disfarçado de vovozinha, mas sempre querendo comer a chapeuzinho vermelho. Não é preciso dizer que, nesta narrativa, o jogador legal é sempre por alguma variante do petismo. E quanto mais dele você se afasta, mais você se transforma, como no pesadelo kafkiano, em um repugnante inseto.
Penso que a esquerda democrática, que teve a coragem de romper com o petismo, nestas eleições, o fez por algumas razões. A primeira delas diz respeito à questão ética. Há uma geração inteira de militantes petistas que prossegue criando razões para se autoconvencer que a ideologia é mais importante que a ética. Seres humanos são criativos e há muitas maneiras de fazer isto. Pode-se dizer que, afinal de contas, o roubo na Petrobrás, ou mesmo o mensalão, não foi tão grande como dizem; que era coisa de meia dúzia de malfeitores infiltrados no governo ou, na versão mais comum, apelar ao tradicional “todo mundo faz”. Na cabeça dessas pessoas, os “tucanos” só não foram processados, pelas suas incontáveis maracutaias, dado que foram mais espertos, e por que, à época do governo FHC, o Ministério Público estava amordaçado.
O raciocínio lembra muito minhas leituras juvenis de Orwell. A história “real” se confunde com a história “oficial” criada pelo marketing do partido. Dessa história, apaga-se, para citar um exemplo, a figura do Procurador Luiz Francisco de Souza, que, à época do Governo FHC, fez todas as denúncias e “investigações” imagináveis sobre dirigentes do então governo federal. Francisco virou astro nacional, espécie de ícone da moralidade jacobina, pelas suas denúncias contra Eduardo Jorge Caldas Pereira, então Ministro Chefe da Secretaria Geral da Presidência da República. Do fim da história, poucos se lembram: Eduardo Jorge, absolvido de tudo; Francisco, punido pelo Conselho Nacional do Ministério Público, pelo mais absoluto vazio de suas acusações. Vazio na história real, evidentemente. Na história oficial, tudo prossegue intacto: os grandes saqueadores só escaparam por sorte, esperteza, coisas que “todo mundo sabe, não é mesmo?”
A segunda razão diz respeito ao debate econômico. Marina Silva, novamente, deu o tom desta mudança. O ponto foi romper com a suposta contradição entre uma politica de mercado, que busca a eficiência do Estado e da economia, que compreende a importância da estabilidade, da segurança jurídica, da autonomia das agências reguladoras, bem como do Banco Central, e o desenvolvimento social do País. Ao contrário. Os programas sociais são fundamentais e devem se tornar politicas de estado, mas é o desenvolvimento econômico que irá reduzir a pobreza de modo sustentável. O foco é fazer o “mercado” chegar às mais diversas regiões do País, assim como uma educação de qualidade, de modo que pessoas possam viver por conta própria, e não apenas sobreviver na dependência ao Estado.
A terceira razão trata do “método” de fazer política. Vai ai a defesa de uma política tendencialmente mais “programática”, em troca do simples pragmatismo eleitoral. Na aceitação plena da democracia como um valor fundamental, com a renúncia às ideia de controle da mídia. Há ainda ideias mais sutis. Difíceis, na conjuntura política criada no País. Uma delas é o cuidado no trato com os adversários. O respeito, a prioridade do debate de ideias, sobre a simples agressão à honra. A negação da visão maniqueísta do “amigo/inimigo”, que hoje parece a face mais visível do (não) debate político nacional.
Talvez mesmo o conceito de “esquerda democrática”, usado neste artigo, seja um anacronismo. É possível usar outros conceitos. Me sugerem utilizar a ideia de uma visão “republicana e modernizante”. O foco seria a ruptura com nossa velha tradição patrimonialista, tão bem representa pelo atrelamento do sindicalismo oficial ao governo, pelo mito do líder providencial, alimentado por Lula, à exemplo do que fez o getulismo, entre os mais pobres e vulneráveis, diante do Estado.
Esta posição “republicana” não se define pelo vinculo a este ou aquele partido político. Ela pode vicejar em diversos partidos, em nenhum partido, ou pode gerar um tipo “diferente” de partido. Partidos são uma criação do século XVIII. No século XIX, o marxismo criou a ideia da representação de “classe social”. Esta ideia metafisica foi uma das vias da barbárie totalitária, no século XX, e hoje sobrevive como uma caricatura. Nas democracias pluralistas, partidos expressam, quando muito, um tipo de debate, enfatizam certas ideias e padrões de política pública. Estão longe de esgotar o tema da representação política, nos dias de hoje. A sociedade civil cresce, há causas que agregam as pessoas, há movimentos efêmeros, há regiões e “questões” a serem representadas. Há comunidades. A diversidade da representação política veio para ficar, e a democracia terá que se ajustar a ele.
Uma última razão, fundamental, da ruptura de uma posição republicana, com a esquerda tradicional, diz respeito à perspectiva internacional e os direitos humanos. A velha esquerda prossegue, como o sonâmbulo em um dia claro, a apoiar ativamente a sexagenária ditadura dos irmãos Castro, em Cuba, o Chavismo, na Venezuela, e a fazer vistas grossas, na ONU, à barbárie contra os direitos humanos praticada no Irã e em outros países fundamentalistas. Na fantasia da mesa de pingue pongue, o apoio da revista inglesa The Economist, a Aécio, foi prova de um imperdoável reacionarismo; o apoio do Jornal Gramna, do partido comunista cubano, a Dilma, é um exemplo de solidariedade sul-sul.
Quando escuto uma coisa dessas, me vem à mente, além da imagem do velho parlamento britânico, visto do Tâmisa, a lembrança de um escritor francês, Albert Camus. Em especial, me vem à mente as lições de “O Homem revoltado”, publicado em 1952. A principal delas, que marcou a ruptura definitiva de Camus com Sartre e a esquerda francesa tradicional, tratava da relação entre a política e a morte. Camus teimava em argumentar que nenhuma ideologia valia o suficiente para justificar a morte de um homem. Sua intransigência ética lhe impedia de continuar apoiando o stalinismo soviético, e suas variantes, e a quem apoiasse um regime sujo de sangue até a medula. Sartre e a esquerda tradicional diziam que isto não passava de “humanismo ao estilo da Cruz Vermelha.” Um preciosismo irrelevante diante dos imperativos da luta de classes, etc, etc.
Camus rompeu. Teve coragem. Sua questão era enxergar a face de um homem de verdade. E uma vez que o enxergasse, que escutasse sua historia, recusava-se a apaga-lo da memória. O discurso do partido não lhe fazia mais efeito. Havia descoberto toda a sua baboseira. E seguia seu rumo, simplesmente.
 

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  • Ricardo Hingel
  • 03 Novembro 2014

 

Concluído o processo eleitoral, o grande desafio é como voltar a crescer. A inflação resistente, convivendo com o crescimento baixo, impõe limitadas ações ao governo. Surpreendeu a todos que, exatos três dias após a eleição presidencial, o Banco Central elevou a Selic, reconhecendo a gravidade da situação econômica.

É esperada, além do aperto na política monetária, também uma contração fiscal, com a redução do gasto público, um dos vilões da resistente inflação. Essas ações atuam alinhadamente para a retração da atividade econômica, inibindo o crescimento, com menor geração de emprego e renda e da lucratividade das empresas.

Há, portanto, um ciclo, do qual fazem parte ainda a questão cambial, com a desvalorização do real e a deterioração da balança comercial e do balanço de pagamentos, gerando um cenário preocupante, resumido na possível perda do chamado grau de investimento.

A quebra desse ciclo passa pelo enfrentamento de uma questão estrutural nunca bem resolvida pelos governos que se sucedem, que é a baixa taxa de investimento da economia brasileira. Uma das razões disso se explica pela reduzida poupança interna que deveria se somar aos recursos de investidores estrangeiros para alavancar o crescimento econômico.

O insucesso de sucessivas políticas está bem demonstrado em estudo do FMI que coloca o Brasil, em um ranking de 32 países da América Latina e do Caribe, na 23ª posição em relação à taxa de investimento, sendo que desde 1994 nos situamos sempre abaixo da média da região.

O esforço importante de dotar o BNDES de recursos para estimular os mais diversos setores, com taxas de juro subsidiadas, teve como fonte a emissão de dívida pública, hoje superior a R$ 400 bilhões, repassados ao banco pelo Tesouro.

O Investimento Externo Direto próximo de US$ 60 bilhões anuais se soma ao BNDES e, ainda assim, a taxa de investimento em relação ao PIB fica abaixo de 18%, devendo cair em 2014.

Portanto, o desafio passa pela capacidade do governo em atrair investimentos externos para perseguir níveis necessários de investimentos próximos a 23% do PIB e reduzindo a exposição do BNDES como fonte financeira básica, tendo em vista o esgotamento deste modelo.

O tema de casa é recuperar a percepção negativa da economia brasileira, com ajustes ortodoxos e a criação de condições que viabilizem investimentos, iniciando na infraestrutura, reduzindo seus históricos gargalos e dar base para a melhoria da matriz produtiva.

* Economista
 

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