• Carlos I.S. Azambuja
  • 13 Novembro 2014

Muito já se falou e escreveu sobre a subversão continental patrocinada por Cuba, desde os primeiros anos da década de 60 até os dias atuais. Todavia, até hoje a verdade ainda permanece obscura. O artigo abaixo é uma contribuição à busca dessa verdade, baseado no livro “La Subversion”, Montevidéu, com 1.522 páginas, em dois tomos, editado pelas Forças Armadas do Uruguai em 1977.
A introdução do “La Subversion” assinala que a documentação em que se baseia foi obtida pelo esforço feito muito além do cumprimento do dever, e em muitas páginas existem as impressões digitais do sangue derramado por oficiais, soldados e policiais que caíram defendendo os postulados e valores sobre os quais descansa o sistema jurídico-político do mundo ocidental.
A principal fonte de informação foi constituída pelos próprios guerrilheiros, baseada em seus documentos, apreendidos em inumeráveis procedimentos, bem como em suas idéias, suas opiniões, suas apreciações que, em forma objetiva, permitiram conhecer a natureza das organizações desde o ponto de vista teórico, pois a prática, a realidade se encarregou de mostrar.
Duas circunstâncias tiveram uma incidência decisiva sobre a subversão na América Latina: o êxito da ação guerrilheira iniciada em Cuba em 1953, com o ataque ao Quartel Moncada e o conflito sino-soviético nos anos 60.
O triunfo da revolução em Cuba marcou o início de uma etapa revolucionária na América Latina, pois demonstrou – como disse Che Guevara – que não seria necessário esperar que se apresentem, juntas, as condições objetivas e subjetivas. O dinamismo da luta faria com elas amadurecessem. Até então, a possível tomada do Poder nunca se havia apresentado como uma possibilidade imediata, mas a revolução cubana deu fim a todo um conjunto de velhas concepções dos partidos marxistas tradicionais e inaugurou o início de uma nova etapa.
Por outro lado, a querela sino-soviética viria agregar-se à tomada de consciência dos setores revolucionários do continente. Opostos à ortodoxia tradicional dos partidos comunistas, os chineses estabeleceram uma posição frente ao “sistema imperialista mundial”, que teve um impacto sobre numerosos setores revolucionários e contribuiu com a tomada de consciência da necessidade de colocar em ação a “luta popular”, buscando novos métodos e formas de trabalho, a partir do cerco das cidades pelos campos.
O regime castrista se propôs, desde os primeiros dias, a exportar sua revolução a toda a América Latina, segundo o figurino de sua própria experiência, baseada em focos guerrilheiros nas áreas rurais, independentes dos tradicionais partidos marxistas-leninistas ortodoxos, como posteriormente escreveu Regis Debray, em seu livro “Revolução na Revolução”.
Segundo essa idéia, qualquer grupo organizado e suficientemente audaz teria possibilidade de derrubar um governo, vencer sua polícia e seu Exército e instaurar a “nova sociedade socialista”, que os partidos comunistas tradicionais anunciavam desde o início dos anos 20 do século passado.
Na viagem que, como chefe da revolução triunfante, realizou a Caracas em fins de janeiro de 1959, Fidel Castro propôs a criação de um organismo para impulsionar a subversão a toda a América Latina (esse organismo só seria constituído em 1967: a Organização Latino-Americana de Solidariedade - OLAS).
Tal atitude, que teve enorme repercussão e despertou grande expectativa, transformou Havana na Meca aonde seriam formados milhares de revolucionários latino-americanos e da África. A essa insólita proposição seguiram-se, quase de imediato, os desembarques de cubanos armados no Panamá, Nicarágua, República Dominicana e Haiti, que se constituíram em um estrepitoso fracasso. Foi essa a razão que levou Fidel a projetar e planificar um vasto programa de subversão continental de doutrinamento político e treinamento militar de guerrilheiros latino-americanos nas técnicas da guerra de guerrilhas, espionagem, sabotagem e terrorismo em escolas e centros estabelecidos na Ilha.
É comum que se diga até hoje que fulano ou beltrano recebeu treinamento em Cuba, sem deixar claro, todavia, onde teria sido realizado tal treinamento, dando a impressão de que eram realizados em um único local, especialmente capacitado para isso.
Mas não foi assim. Mais de vinte estabelecimentos destinados a adestrar e instruir os agentes revolucionários da América Latina e da África foram instalados em Cuba desde o primeiro momento da revolução. Esses estabelecimentos, verdadeiras academias de subversão, reproduziam no continente americano técnicas da guerra revolucionária utilizadas anteriormente na URSS e China na preparação de experts em conspiração, insurreição e conflitos sociais.
As escolas soviéticas de subversão – como a de Kuchino, instalada no bairro de mesmo nome, em Moscou -, em cujos programas de estudos se incluem cursos de judô, seqüestros, uso de armas especiais para assassinatos, manejo da propaganda, táticas de insurreição armada, fabricação de armas e explosivos, derrubada de pontes, apoderamento de centrais elétricas e estações de rádio, falsificação de documentos oficiais e penetração ideológica nas Forças Armadas, tiveram uma rápida réplica nas escolas e centros cubanos destinados a ministrar treinamento aos países da América Latina e da África.
Recorde-se que foi em 1911, na escola clandestina do Partido Bolchevique, em Longjumeau, França, que Lênin traçou o desenho de tais centros de subversão, destinados, segundo dizia, a preparar “corpos de trabalhadores revolucionários especialmente adestrados durante um longo período de treinamento”.
Nas Escolas Especiais cubanas, dependentes da Direción General de Informaciones (DGI), receberam treinamento milhares de militantes dos países latino-americanos. Entre tais centros de “ensino” podem ser mencionados os seguintes:
- Escola El Cortijo, para pessoal militar, na cidade de Pinar Del Rio;
- Escola Ciudad Libertad, em Marianao, cidade de Havana, a cargo de instrutores soviéticos;
- Escola Blas Roca, em Los Pinos, cidade de Havana;
- Escola Marcelo Salado, em Luyanó, Havana;
- Centro de Capacitación Juvenil, na Fortaleza Militar de La Cabaña, cidade de Havana;
- Escola Boca Chica, na Praia de Tarará, município de Guanabacoa, cidade de Havana, que funcionou sob a chefia do general comunista espanhol Alberto Bayo Gosgaya, com instrutores russos e checos, segundo narração do militante de esquerda venezuelano Juan de Dios Marin; o texto principal de estudo consistia no livro do próprio Bayo, intitulado “150 Pontos que uma Guerrilha deve saber”;
-Campo de treinamento para Haitianos, centro-americanos e guyaneses, nas proximidades da cidade de Trinidad, ao sul da cidade de Las Villas;
- Escola Julio Antonio Mella, na praia de Marbella, município de Guanabacoa, cidade de Havana;
- Campo de treinamento em problemas agrários e sabotagem rural, em San Pedro, cidade de Camaguey, para bolivianos, peruanos e colombianos;
- Campo de treinamento para equatorianos e bolivianos, nas cercanias da cidade de Nuevitas, ao norte da cidade de Camaguey;
- Campo de treinamento para 300 homens, para venezuelanos, no município de Victoria de las Tunas, cidade de Oriente;
- Centro Especial para Venezuelanos, de adestramento em agitação e luta guerrilheira, no município de Mayari, ao norte da cidade de Oriente;
- Centro Minas de Frio, o mais avançado e o de maior importância na preparação de guerrilheiros, em Sierra Maestra, ao sul da cidade de Oriente;
- Centro Lumumba, para treinamento em luta guerrilheira, na Sierra de Siguanea, na Isla de Pinos;
- Centro de treinamento para Peruanos, incluindo o ensino do idioma quéchua, em 17 y L, bairro de Vedado, cidade de Havana;
- Escola para Bolsistas Latino-americanos, com capacidade para 800 bolsistas, onde era ministrado ensino político e militar em Santa Maria Del Mar, município de Guanabacoa, cidade de Havana;
- Centro de treinamento para nativos do Congo, no quilômetro 7 da estrada a Bejucal, cidade de Havana;
- Centro de treinamento para Africanos, na fazenda La Unión, em Bahia Blanca, município de Cabañas, cidade de Pinar Del Rio;
- Centro de treinamento para Ghaneses, na fazenda Villalba, bairro de El Cano, município de Marianao, cidade de Havana;
- Acampamento do Serviço Militar Obrigatório, para treinamento de jovens cubanos a serem enviados ao então Vietnã do Norte, a cargo de instrutores soviéticos, a 2 quilômetros da povoação Santiago de Las Vegas, cidade de Havana;
- Acampamento para Treinamento de Guerrilheiros, com capacidade para 200 homens, em Jardins de Hershey, município de Santa Cruz do Norte, cidade de Havana;
- Zona de Treinamento em Artilharia de Montanha, para bolivianos, guatemaltecos, peruanos e venezuelanos, na região montanhosa de San Cristóbal, cidade de Pinar Del Rio.
Além dessas Escolas e Centros, existem também os Institutos Tecnológicos Agropecuários, as Escolas do Instituto Nacional de Reforma Agrária, as Universidades e as Escolas de Pesca, onde, além do ensino ideológico, se ministra instrução política e militar.
Outros centros destinados especialmente à preparação subversiva são as Escolas de Instrução Revolucionária, nas quais, já em dezembro de 1966, funcionavam 244, de conformidade com as seguintes divisões: 2 Escolas Superiores de Instrução Revolucionária; 4 Escolas Nacionais de Instrução Revolucionária; 12 Escolas Provinciais de Instrução Revolucionária; 25 Escolas Básicas de Instrução Revolucionária e 201 Escolas Básicas de Instrução Revolucionária (noturnas).
Desde a fundação dessas Escolas de Instrução Revolucionária até dezembro de 1966, passaram por elas 145 mil estudantes. Regis Debray foi instrutor nessas escolas.
No período compreendido entre 1960 a dezembro de 1966, mais de 6 mil jovens latino-americanos receberam treinamento em Cuba, regressando a seus países de origem para atuar na guerra de guerrilhas. Cerca de 250 militantes brasileiros, até meados dos anos 70, receberam esse tipo de treinamento.
Um telegrama das agências internacionais de notícias difundiu mundialmente, em 18 de março de 1962, um informe sobre esses cursos nos seguintes termos: “Uma organização clandestina cubana contrária ao regime descobriu os planos de subversão comunista na América Latina e o intensivo adestramento militar e de doutrinamento a que são submetidos atualmente 1.500 latino-americanos que depois organizarão e dirigirão movimentos guerrilheiros. Cruzada Autêntica Revolucionária, em um informe enviado clandestinamente desde Cuba, assegura que os futuros guerrilheiros recebem o adestramento em vários estabelecimentos militares e que os instrutores são os comunistas espanhóis Enrique Lister, Alberto Bayo e Manuel Monreal, além de outros militares cubanos (...). Os alunos são recrutados em cada país pelos partidos comunistas ou por agrupamentos cripto-comunistas e são enviados a Cuba como convidados pelo Instituto Cubano de Amizade com os Povos (ICAP) (...)” (citado por Alejandro Rovira, Las Associaciones Ilícitas en la Legislación Uruguaya, Montevidéu, 1963, páginas 312 e seguintes).
Além disso, o minucioso informe produzido em 1964 pela Comissão Investigadora designada pela OEA para apurar as denúncias formuladas pela Venezuela contra Cuba permitiu comprovar a intromissão deste país nos assuntos internos de outros através de atos tais como: introdução de propaganda subversiva e armamento em território venezuelano; treinamento de guerrilheiros e terroristas venezuelanos nas “academias” cubanas de subversão; financiamento e planejamento das atividades subversivas na Venezuela pelo governo cubano, etc.
Tais evidências permitiram à Comissão concluir que “o conjunto de atos resenhados e especialmente o envio de carregamentos de armas, configura uma política de agressão do atual governo de Cuba contra a integridade territorial, a soberania política e a estabilidade das instituições democráticas da Venezuela”. Três anos depois, e ante denúncias de igual natureza, outra Comissão similar produziu um informe semelhante, com declarações do ex-agente castrista e ex-integrante das milícias nacionais revolucionárias cubanas, de origem venezuelana, Manuel Celestino Marcano Carrasquel (“Subversão na América Latina”, 1967, Miami, publicado pela Federação Ibero-Americana de Editores).
Também funcionaram em Cuba institutos de doutrinamento e preparação subversiva para mulheres, como o Liceo Feminino, instalado nas imediações de Havana, a cargo exclusivamente de instrutores soviéticos, em cursos com duração de 6 a 8 meses, sobre espionagem, sabotagem, enfermaria, psicologia e investigação. Deve ser assinalado que diversas militantes de organizações revolucionárias brasileiras receberam esse tipo de treinamento.
Finalmente, observe-se que algumas dessas Escolas e Institutos, embora o comunismo realmente existente tenha naufragado em todo o mundo e em Cuba esteja em estado falimentar, ainda existem e funcionam.
* Historiador
 

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  • Paulo Roberto Almeida
  • 12 Novembro 2014


Nous sommes en 50 avant Jésus-Christ ; toute la Gaule est occupée par les Romains… Toute ? Non ! Car un village peuplé d’irréductibles Gaulois résiste encore et toujours à l’envahisseur. Et la vie n’est pas facile pour les garnisons de légionnaires romains…


No prefácio com o qual distinguiu meu livro “Nunca Antes na Diplomacia…: a política externa brasileira em tempos não convencionais”, o embaixador Rubens Barbosa começa exatamente por essas palavras: “Estamos no ano 50 antes de Cristo. Toda a Gália foi ocupada pelos romanos… Toda? Não! Uma pequena aldeia povoada por irredutíveis gauleses ainda resiste bravamente ao invasor. E a vida não é nada fácil para as guarnições de legionários romanos…”. Ele continua dizendo que eu não sou exatamente um “asterisco” na bibliografia brasileira de relações internacionais e de política externa, dado o acúmulo de obras já produzidas nessas áreas, e que tampouco me pareço com Obelix, embora eu costume arremessar menires intelectuais contra os acadêmicos ingênuos que interpretam o mundo através de seus livros.
O Brasil se encontra dividido em quase duas metades simétricas.

Com efeito, creio poder orgulhar-me de uma boa contribuição para a literatura especializada nesses campos que constituem minha especialidade de pesquisa e de produção de trabalhos acadêmicos, ademais de participar do debate intelectual nessas e em outras áreas de relevante interesse público para o Brasil. Mas o fato é que, nos últimos dois meses, pelo menos, eu tinha deixado de lado essa produção voltada para estudos mais estruturais, ou de natureza mais analítica, passando a ocupar-me de pequenos textos de intervenção na realidade política do país, em compasso com a conjuntura eleitoral. Até cheguei a inverter uma antiga resistência a certas ferramentas de comunicação social, como o Facebook, por exemplo – que considero, acertadamente, como um grande “perdedor de tempo”, o precioso e extremamente exíguo tempo de que disponho para ler e escrever – para participar mais ativamente do debate político que incendiou o país em torno de dois projetos de nação.

A questão agora não é tanto pessoal – embora eu tenha que confirmar um novo retraimento nos estudos de maior profundidade, em lugar da dispersão em textos curtos de intervenção no debate político – quanto ela é, justamente, de natureza social, mais especificamente, no caso presente, de ordem intelectual grupal. Aparentemente, o Brasil se encontra dividido em quase duas metades simétricas, não exatamente opostas no plano das políticas públicas – uma vez que ambos tendem a confirmar o papel bastante preponderante do Estado no encaminhamento dos principais problemas nacionais – quanto elas o são no que respeita as filosofias que subjazem aos programas de governo das duas coligações que se digladiaram nas eleições presidenciais de 2014. As pessoas, como eu, mais identificadas com a preeminência do indivíduo sobre o Estado, com os terrenos das liberdades individuais e das iniciativas privadas, como forma de superar os graves problemas de desenvolvimento econômico e social do país, podem estar se sentido órfãs no momento presente, quando triunfam – não de maneira acachapante, mas ainda assim de modo incisivo – os elementos mais negativos da institucionalidade política e da mobilização social, o que pode dar uma impressão de desesperança, ou de inutilidade, quanto à mensagem que elas gostariam que fosse, finalmente, incorporada ao ideário brasileiro do desenvolvimento nacional: o das liberdades econômicas, o da redução do papel do Estado e da promoção concomitante do papel da iniciativa privada, da concorrência sadia, da abertura econômica e da liberalização comercial, como as formas mais adequadas para justamente fazer o país avançar.

Uma sombra de desesperança, quando não de desespero, perpassa as mentes e as vontades mais engajadas nos combates dos dois ou três últimos meses: alguma intenção de abandonar o combate intelectual, projetos de abandonar o país, retraimento em áreas de exclusivo interesse pessoal, enfim, retirada do campo de batalha e abandono do terreno de lutas que sempre foi o nosso: não necessariamente a liça eleitoral, mas o esforço didático de educação política, de esclarecimento econômico, de defesa da lógica e da promoção do raciocínio inteligente na exposição, análise e divulgação de pontos de vista que se identificam com uma visão liberal, libertária, em todo caso de democracia avançada e de regimes de mercados como os mais consentâneos com a construção de um país progressista, avançado no plano das liberdades individuais e comprometido, tanto quanto outras correntes, com a redução de iniquidades sociais e de falta de oportunidades para os menos contemplados com riqueza pessoal ou familiar.

Não somos poucos, mas certamente somos minoria, pelos tempos que correm. Mas, se tivermos certeza da validade de nossas ideias, do acertado de nossas propostas, da adequação de nossos projetos aos ideais de um mundo livre e de um Brasil mais próspero, não podemos recuar no combate intelectual. Constituímos, no presente, uma espécie de quilombo de resistência intelectual contra ideias e propostas aparentemente dominantes, mas que sabemos contraditórias ou mesmo retrógradas em relação aos valores e princípios de organização social, econômica e do trabalho produtivo, que caberia imprimir a setores mais vastos da sociedade brasileira para retomar um curso mais virtuoso de desenvolvimento com plena defesa das liberdades individuais e coletivas no Brasil contemporâneo.
Não vamos nos desmobilizar: combateremos à sombra – no duplo sentido analógico e metafórico – mas combateremos, reorganizando nossas forças, examinando o panorama após a batalha, e traçando novas estratégias e novos princípios táticos para melhor posicionar nossas ideias – como diria um especialista em publicidade – com vistas a conquistar mais terreno nos espaços que são os nossos: estes são, basicamente, de inteligência, de trabalho analítico, de esforço didático e de continuidade no nosso próprio esforço de aprofundamento do estudo das questões teóricas, dos problemas do Brasil e da região, da discussão em torno de propostas factíveis de melhorias gradativas num país que escolheu, temporariamente pelo menos, mais distribuir do que produzir.

Esse esforço não é em vão, e não será inútil, pois ele corresponde exatamente às nossas vantagens comparativas, às nossas qualidades de pesquisadores, aos nossos projetos de vida e ao nosso engajamento no terreno do debate de ideias em prol de um país mais avançado. Momentaneamente, estamos submergidos pelas hordas de hunos e de visigodos, que destruirão um pouco mais dos valores acadêmicos que tanto prezamos e que tanto procuramos defender, contra o culto da ignorância e da crua prepotência antiliberal, mas a escuridão não é completa, nem está ela destinada a durar para sempre. Persistiremos em nosso quilombo, que aos poucos vai se alargar à medida em que consigamos propagar nossas luzes, com base unicamente na razão prática e na lógica bem fundamentada.

Este é justamente o momento de se fazer um balanço completo das razões e das causas do triunfo das nulidades, e da nossa própria derrota, para traçar um programa de trabalho, de estudos e de discussões, que focalize as questões mais relevantes da atualidade brasileira e internacional. Dispomos de ferramentas analíticas para tanto e de instrumentos operacionais para persistir nessa missão intelectual. Vou me dedicar a estudos de maior profundidade, a trabalhos de maior consistência empírica, mas não pretendo abandonar a arena do debate público e da apresentação de propostas, sempre quando minhas vantagens comparativas se revelarem úteis nesse tipo de trabalho. Não esmorecer é a palavra do momento; redobrar os esforços é um projeto decidido.
Allons, enfants, a aldeia continua resistindo…

http://diplomatizzando.blogspot.com

*Diplomata e professor universitário
 

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  • Milton Pires
  • 11 Novembro 2014

 

Como médico e funcionário público, há muito venho denunciando o caos e as barbaridades perpetradas contra os pacientes e colegas no Sistema Único de Saúde. Como cidadão, pagador de impostos e eleitor, como simples telespectador e leitor de qualquer jornal, acompanho e presto minha solidariedade ao tratamento canino que estão recebendo os professores e policiais brasileiros. De uma maneira geral eu não podia, até hoje, acreditar que existisse classe profissional que estivesse submetida à humilhação maior durante o Regime Petista no Brasil do que os funcionários da segurança, educação e saúde. Hoje vou me dirigir aos juízes brasileiros. Vou correr esse risco de escrever em sua defesa no país onde quem escreve qualquer coisa parece ter “sempre um motivo por trás” - prato cheio para aqueles que vão dizer que, “já que o Dr. Milton move ações contra a Administração Pública”, natural que se torne um puxa-saco dos magistrados.

Escrevo num exercício daquilo que se chama empatia: a capacidade de colocar-se no lugar do outro. Defendo os verdadeiros juízes num tempo e lugar em que a primeira contestação ao meu texto há de ser que “juízes não passam fome” ..não “pegam ônibus” ..não “fazem plantão, não levam tiros nem apanham de alunos traficantes de crack” - argumentos típicos de gente que esconde a cara com toucas ninja e quebra lojas e caixas eletrônicos dizendo que quer mudar o Brasil.

Quando alguém decide apoiar ou atacar o trabalho dos juízes brasileiros, não percebe que é movido por uma sensação própria, inerente à condição humana, e incapaz de ser compartilhada – o desejo de justiça. Ninguém precisa ser médico para sentir-se doente e buscar ajuda, não precisa ser professor para identificar ignorância em si mesmo e lutar por educação, e muito menos juiz para saber que está sendo injustiçado em qualquer circunstância da vida social. Decorre dai, que esse sofrimento subjetivo, essa sensação odiosa e contínua produzida na circunstância de um direito lesado é algo inerente a vida em sociedade nas situações de crise e desordem institucional. Lembremos ainda que não são mais do que homens e mulheres os juízes e juízas que hoje atuam no Brasil Petista e que, se “não seu deuses” como disse a agente de trânsito carioca, também não são “demônios” que estão contra a população.

Perceba-se, naquilo que acima foi escrito, que existe – assim como ocorre no caso dos médicos – uma necessidade contínua do Partido Religião de referir-se à magistratura brasileira como um segmento especial..como um grupo de pessoas que não fazem parte daquilo que o PT insiste em chamar de “sociedade civil como um todo” e onde só se entra sob a benção de alguma minoria, ONG ou movimento social fantoche do PT.

Coloco-me agora, portanto, no lugar dos verdadeiros juízes e juízas do Brasil – principalmente os de primeiro grau – para aqui deixar explícita minha solidariedade com aqueles que sofrem o calvário de tentar aplicar justiça num país dominado por um partido revolucionário e me identifico, simplesmente como cidadão, com o seu sofrimento. Imagino eu o tormento, que não depende de salário ou auxílio moradia, o constrangimento, que não depende de férias e estabilidade na carreira, de lidar-se com operadores da justiça – advogados de ONGS e promotores a soldo do PT – num país governado por gente que acredita que a “Constituição precisa ser Permanentemente Discutida” e as decisões do Poder Judiciário “debatidas com a sociedade como um todo”. Declaro entender perfeitamente não haver salário que pague esse tipo de estupidez nem a afronta contra anos de estudo, concurso público, e uma vida dedicada com zelo à carreira que os senhores seguiram. Vejo, acima de tudo, o risco que corre em primeiro lugar o cidadão comum que crê piamente na independência dos senhores e na correta aplicação de uma Lei que não foi escrita jamais para servir interesses delirantes de quem quer uma constituição, uma moeda e um código penal únicos para toda América Latina.

Senhoras e senhores juízes brasileiros, certa vez eu li que uma injustiça que se comete contra um cidadão é uma ameaça que se faz a todos os outros mas, vejo hoje, no fanatismo do Brasil Petista, que uma ameaça que se faz a um juiz é uma injustiça contra toda sociedade. Os verdadeiros juízes do país juntaram-se aos médicos, policiais, professores e militares na crescente classe de “novos demônios” que somados à “imprensa golpista”, o Partido Religião, cada vez mais histérico, insiste em jogar contra o resto da sociedade. Que Deus ajude a todos nós – ele é o único Juiz que o PT não pode mandar matar.

 

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  • Paulo G. M. Moura
  • 11 Novembro 2014

 

Em junho de 2013 milhões foram às ruas contra a corrupção e por melhores serviços públicos de transporte, educação, saúde e segurança. O que ocorreu em 2013 nada tem a ver com as mobilizações que a esquerda costumava liderar no século XX, sob o comando de sindicatos, associações de bairro, entidades estudantis e a esquerda da Igreja. Emergiu no Brasil, assim como na Espanha em 2004, na Tunísia e no Egito em 2011 e na Turquia, Ucrânia e Venezuela mais recentemente, um fenômeno típico das sociedades-rede.

Correndo por fora das organizações tradicionais, milhões de cidadãos conectados pelas mídias sociais saíram às ruas para se manifestar e, sem planejar isso como objetivo, derrubaram ou desestabilizaram governos. Tudo ocorreu sem lideranças, sem organizações de massas, sem projetos de poder e sem controles.

Na eleição que se encerra, essa mobilização em rede reapareceu com a militância a favor de candidaturas de oposição, movida pelo desejo de mudanças. Milhões de pessoas se expuseram nas ruas e nas mídias sociais, não por que estivessem interessadas em cargos no governo ou em receber bolsas estatais. O objetivo dessas pessoas era a defesa das suas liberdades e da democracia, o fim da corrupção e melhores serviços públicos.

Na eleição, parte da sociedade que foi às ruas pacificamente em junho de 2013, aderiu às candidaturas de oposição no primeiro turno e no segundo turno. Os principais candidatos da oposição souberam encarnar o espírito das ruas e traduziram esse sentimento em sua união no segundo turno. Em algumas cidades vimos passeatas mobilizadas por um povo protagonista, fato inédito em eleições tradicionalmente programadas para o povo ser vaca de presépio em comícios teatralizados para militantes idolatrarem líderes.

Fecharam-se as urnas. O PT, até prova em contrário, venceu. O que aconteceria numa eleição tradicional? Os vencedores se auto elogiariam; os derrotados reconheceriam a vitória; o povo se recolheria à condição de expectador passivo à espera do próximo pleito.

Não é isso que acontece. Os cidadãos que não são controlados por partidos seguem nas ruas. Em São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Belém e outras cidades, milhares saíram às ruas dia 01/11/2014 exigindo auditoria da apuração das eleições presidenciais e investigação séria do escândalo do petrolão. No próximo dia 15 estão programadas manifestações em todo o país, com foco na auditoria das urnas e na investigação da corrupção na Petrobrás.

Esse povo se mostra disposto a fazer a oposição que os partidos de oposição nunca fizeram. Essas pessoas estranharam o tom conciliador do Aécio derrotado e aplaudiram a contundência oposicionista que seu ex-candidato a vice, o senador Aloysio Nunes Ferreira, imprimiu à sua primeira fala pós-eleitoral. Aécio recalibrou o discurso e voltou à cena com um vigoroso discurso oposicionista no Senado.

A origem do PSDB não é a rua. O partido nasceu da soma de intelectuais acadêmicos e políticos de centro-esquerda, pretendendo ser uma socialdemocracia de estilo europeu, mas sem as bases sindicais que marcaram o nascimento de seus congêneres do velho continente na segunda metade do século XIX.


O banho de rua que Aécio Neves levou nessa eleição que agora se encerra, foi uma novidade para os tucanos. Se Aécio quer liderar a oposição terá que se deixar liderar por seus liderados nas ruas e nas mídias sociais. Se não o fizer será esquecido; ignorado; atropelado. Não bastará à oposição contestar, apenas na tribuna do parlamento, as medidas autocráticas que o PT pretende implantar para garantir sua perpetuação no poder. Sem povo na rua o Brasil seguirá sua marcha insana rumo à venezuelização.

http://professorpaulomoura.blogspot.com.br/

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  • Gustavo Ioschpe
  • 10 Novembro 2014

Uma leitura indispensável a toda cidadão que queira combater o mal que se infiltrou no País através do sistema de ensino. Este artigo, que reproduzo para que fique em arquivo no site homenageando o autor,  foi publicado na Revista Veja deste final de semana.

 

Há algumas semanas, dei uma palestra em um evento sobre educação, organizado por uma grande empresa e sediado em uma escola. Havia muitos educadores e alunos na plateia. Compartilhei alguns dos dados preocupantes sobre o fracasso do nosso sistema educacional. Expus minha oposição ao plano — agora consagrado em lei — de investirmos 10% do PIB em educação, notando que o único país que investe nesses patamares é Cuba. (Não porque aprecie sobremodo a educação, mas porque não tem PIB: qualquer meia dúzia de vinténs já dá 10% do PIB cubano...)
Depois da minha fala, vieram as perguntas do público. Sempre que há professores na plateia, estas perguntas se repetem: não é muito simplista/reducionista/alienado falar apenas em qualidade do ensino através do domínio dos conhecimentos de linguagem, matemática e ciências medidos por meio de exames como a Prova Brasil, o Enem e o Pisa? A função da educação não vai muito além disso? Não seria formar o cidadão crítico e consciente, engajado na construção de um país mais justo? Respondi o que sempre respondo nesses casos: a educação brasileira está tão mal — incapaz até mesmo de alfabetizar seus alunos ou ensinar-lhes as operações matemáticas básicas — que podemos gerar um consenso abarcando desde os stalinistas do PSTU até o neoliberal mais empedernido. Quer você deseje gerar o próximo Che Guevara, quer um operário preparado apenas para trabalhar numa linha de montagem, ambos precisam ser alfabetizados e dominar as operações matemáticas básicas. Então vamos primeiro focar a criação de um sistema educacional que garanta a 100% de seus alunos o direito de aprender pelo menos essas competências básicas, e deixemos as discussões ideológicas para outras áreas e outros momentos. Para mim, isso tudo é de uma obviedade mais do que ululante.
Qual não foi a minha surpresa quando, ao terminar, fui interpelado por uma meia dúzia de adolescentes, na faixa dos 15 anos, alunos daquela escola, dizendo-se indignados com meu desprezo por milênios de linguagem oral, meu menosprezo pelos analfabetos (“Então o senhor acha que é preciso ler para ter conhecimento?!”) e minhas críticas ao “grande” modelo cubano. Sim, sim, tem bastante gente ainda pensando assim em 2014, não estou brincando! Caiu o Muro de Berlim, e eles ainda estão sonhando em descer a Sierra Maestra. Você deve estar pensando que essa escola era da rede pública de alguma biboca do nosso interior profundo, administrada por uma prefeitura de partido socialista, certo? Pois é, eis a minha surpresa: essa escola, senhores e senhoras, está no Rio de Janeiro, na divisa entre a Barra da Tijuca e Jacarepaguá, e — esta é a melhor parte — pertence ao Sesc. Sim, o Serviço Social do Comércio, mantido pelos empresários e funcionários das áreas de comércio e serviço através de impostos cobrados na folha salarial. Longe de ser exceção, essa dinâmica é a regra: escolas e universidades de entidades privadas, algumas inclusive com fins lucrativos, estão entupindo o cérebro de seus alunos com a mais rasteira e ignóbil doutrinação política marxista. Depois, quando esses alunos se tornam adultos e passam a comandar o país, os donos e diretores dessas escolas e universidades passam anos a fio reclamando (com razão) do intervencionismo estatal e do viés antiempresarial dos líderes... que eles mesmos formaram!
Não acredito que esse tiro no pé seja intencional. É só miopia ou visão de curto prazo. Nas universidades, as áreas de pedagogia e licenciaturas são muito desprestigiadas, e acabam se tornando incompetentes. Formam maus professores, mas ninguém se importa, porque, como muito poucos prefeitos ou governadores são cobrados pela qualidade do ensino que oferecem, mesmo o mau professor não terá muita dificuldade de se encaixar no mercado, desde que tenha o diploma. Como os cursos não precisam ter qualidade, o jeito de reter aquele aluno é dizendo-lhe o que ele gosta de ouvir. De preferência, algo fácil de entender. Como esse é um público muito idealista, que já vem doutrinado do ensino médio, e como os pedagogos responsáveis por esses cursos também estão, na maioria dos casos, imbuídos de um sentido de missão revolucionária, o que você acha que esses cursos fazem? Trilham o caminho difícil de transmitir o domínio da didática e da matéria a ser ensinada ou optam por falar do papel revolucionário do professor, da missão grandiloquente da formação do cidadão crítico etc.? Sim, eles optam pelo caminho do ensino raso recheado por profundo doutrinamento. E assim se formam os professores que formarão as futuras gerações.
Lendo estas linhas você deve estar com um misto de compaixão e desprezo pelos proprietários de nossas universidades, investindo hoje na criação do seu opositor de amanhã. Mas eles não são os maiores culpados pela situação que vivemos. Sabe quem é? Você. Sim, você, que tem recursos para ler esta revista e, provavelmente, para pôr seu filho em uma escola particular. Você que faz parte da elite financeira e intelectual do país, que representa a sua liderança. Pois eu pergunto a você: qual foi a última vez que leu um livro didático de história ou geografia adotado pela escola do seu filho? Se você for como a maioria dos pais, deve fazer muito tempo. Você sabe que seus filhos estão ouvindo nas escolas diatribes contra o capitalismo e a burguesia brasileira (leia-se: você) e elogios ao modelo cubano e outros lixos socialistas? Provavelmente não sabia. É provável que só esteja preocupado com que seu filho entre em uma boa universidade, preferencialmente pública, em que o doutrinamento rastaquera praticado na escola será substituído por uma panfletagem esquerdista travestida de intelectualidade. Ou talvez até saiba o que está se passando mas não tenha vontade suficiente para debater com os professores e diretores, mantidos pela sua mensalidade, o lixo mental que seu filho recebe diariamente. Você que se preocupa com a saúde física do seu filho a ponto de obrigá-lo a comer arroz integral e tomar suco verde não dispõe da mesma energia e entusiasmo para fazer com que seu cérebro seja preservado dos detritos descarregados diariamente pela escola que você financia.
Talvez acredite que não importa o que seu filho ouve na escola: você corrige os desvios de caminho em casa. E pode ser até que tenha razão. Mas os 83% de alunos que estudam em escolas públicas têm pais cujo nível de instrução é muitas vezes insuficiente até para ajudar na alfabetização do filho. Certamente não conseguirão fazer o mesmo nem saberão que seu filho está sendo vitimado pela historiografia marxista, ou mesmo que há outras historiografias possíveis.
O resultado das últimas eleições mostra que não é possível construir um país nos três meses que antecedem a votação. Mostra que, sim, é ótimo que a nossa elite ganhe muito dinheiro, progrida e tenha condições de passar um tempo em Miami, Paris ou onde bem lhe aprouver, mas que só isso não basta: precisamos de uma elite empenhada em alterar a realidade do país, não em fugir dela. O Brasil está criando pessoas que desconfiam da democracia, dos valores republicanos, de sua própria capacidade empreendedora. Se as lideranças do país continuarem se abstendo da discussão que mais importa — a de valores, de identidade, de aspirações nacionais —, continuaremos colhendo atraso e frustração. Não se constrói um país desenvolvido sem elites. Esse debate é indelegável.
Já passou da hora de termos uma escola apolítica, sem doutrinação, que consiga fazer com que nossos alunos pensem e tenham os instrumentos para pôr de pé seus sonhos de vida. Não podemos nos furtar desse debate nem adiá-lo. Ele começa hoje, na sua sala de jantar, na escola de seus filhos. Aproveite essa liberdade enquanto a temos.
 

 

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  • Editorial de O Estado de São Paulo
  • 09 Novembro 2014

08/11/2014

 Quem tem amigos do peito como a Venezuela não precisa de inimigos. Em circunstâncias nebulosas, sem o conhecimento de Brasília, o governo de Caracas firmou com o MST, na cidade paulista de Guararema, convênios pelos quais se compromete a ensinar o povo brasileiro a “seguir avançando na construção de uma sociedade socialista”. Muitos dias depois, na última quarta-feira, o governo brasileiro finalmente protestou junto aos muy amigos. Não necessariamente pelo conteúdo dos tais convênios, mas porque o ex-chanceler e, desde setembro, ministro do Poder Popular para as Comunas e os Movimentos Sociais, Elías Jaua, veio ao Brasil para assiná-los sem informar o Itamaraty. E ainda andou se metendo em confusão policial. Uma típica trapalhada bolivariana. É de imaginar que os petistas tenham ficado aborrecidos com a falta de consideração dos venezuelanos, que, se tivessem sido menos egoístas e mais solidários, teriam possibilitado a realização de um magnífico evento popular em Guararema, talvez até com a presença de Lula com o boné do MST e falando mal da elite.

Mas, diante de uma desfeita que não se pode ignorar nem quando se trata de amigos fraternos, o chanceler brasileiro, Luiz Alberto Figueiredo, depois de ouvir a presidente Dilma Rousseff, convocou o encarregado de negócios da Venezuela no Brasil, Reinaldo Segovia (o embaixador está viajando), para comunicar a “estranheza” do governo brasileiro com o comportamento de Jaua, reclamar que o lamentável episódio pode significar uma “interferência nos assuntos internos do País” e cobrar explicações do governo de Caracas. Para Figueiredo, “o fato não se coaduna com o excelente nível das relações entre os dois países”.

Os convênios foram assinados no fim do mês passado, numa escola do MST onde são ministrados cursos de formação política para militantes de movimentos sociais. Segundo a organização, os tais convênios com os venezuelanos objetivam apenas “a troca de experiências na área da agroecologia”. O governo venezuelano, porém, conta uma história diferente. No dia 28, antes mesmo do regresso de Jaua a Caracas, o governo bolivariano anunciou aquilo que nem o Palácio do Planalto sabia: “No marco da visita ao Brasil do vice-presidente de Desenvolvimento do Socialismo Territorial, Elías Jaua, foram assinados (...) vários acordos nas áreas de formação e desenvolvimento da produtividade comunal entre o Governo Bolivariano” e o MST. E a nota acrescentava que, segundo Jaua, os convênios têm como objetivo incrementar o intercâmbio de experiências para “fortalecer o que é fundamental em uma revolução socialista, que é a formação, a consciência e a organização do povo para defender suas conquistas e seguir avançando na construção de uma sociedade socialista”.

Não bastasse a desfeita ao Itamaraty, a estada de Jaua no Brasil envolveu um constrangedor episódio policial. O ministro viajou acompanhado da mulher, que foi submetida a uma cirurgia de emergência em São Paulo. Talvez com a agenda tomada por assuntos mais importantes, Jaua chamou, para fazerem companhia à paciente, a sogra, os filhos e a babá destes. Ao desembarcar em Guarulhos, a babá foi presa em flagrante pela PF e permaneceu detida por quatro dias pelo porte de uma arma que, depois ficou esclarecido, estava numa maleta com documentos que Jaua encomendara à funcionária. Apurou-se em Brasília que o Itamaraty ficou sabendo da presença de Jaua no Brasil pela PF. E ninguém foi capaz de explicar o que estava acontecendo, até porque o governo brasileiro faz questão de manter “um excelente nível de relações entre os dois países”, mas, de repente, viu-se surpreendido por um episódio que contraria os protocolos diplomáticos.

O fato de o Itamaraty ter demorado pelo menos uma semana para se manifestar sobre uma inadmissível interferência nos assuntos internos do País sugere que o governo petista estendeu até o limite a possibilidade de botar panos quentes na situação. Era só o que faltava para quem assistiu passivamente ao calote que o finado Hugo Chávez deu no contrato de parceria na construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Gente fina.
 

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