• Ubiratan Iorio
  • 05 Março 2015

 

Avisamos, cansamos de avisar, repetimos, frisamos, gritamos, alertamos e berramos, desde meados de 2008, que o que está acontecendo com a economia brasileira hoje era inexoravelmente certo, assim como o logaritmo de 1 em qualquer base é 0 e como beber em excesso causa embriaguez e comer exageradamente dá indigestão. Não poucos achavam que estávamos exagerando, ou que prenunciávamos a futura catástrofe porque “não gostamos do PT” ou até porque estávamos abandonando os conhecimentos técnicos pela “ideologia liberal” ou todos esses pretensos motivos juntos. Mas – e os dados e fatos estão aí para demonstrar – eu e diversos colegas economistas seguidores da tradição da Escola Austríaca estávamos absolutamente corretos em nossas avaliações!

 

A manchete do Estado de São Paulo de hoje, 2 de março, é fulminante: “Mercado projeta retração de 0,58% do PIB em 2015, a maior queda em 25 anos” (em 1990, o PIB “fechou” em -4,35%, como decorrência do legado de Sarney e das maluquices daquela senhora que Collor escolheu para comandar a economia). E complementa o jornal: “para a inflação, a projeção foi elevada para 7,47%”. A avaliação é do Relatório de Mercado Focus que, como se sabe, é divulgado pelo Banco Central com base em opiniões colhidas nos mercados financeiros.

Surpresa? Sinceramente, nenhuma! Heterodoxia em política econômica e fracasso na economia do mundo real são inseparáveis: a primeira sempre determina, mais cedo ou mais tarde, o segundo. E até que demorou muito para essa verdadeira hecatombe vir à tona. Demorou porque, sempre por motivos eleitoreiros, as equipes econômicas de Lula (especialmente desde 2008) e, principalmente - e com uma distinção suma cum laude em termos de incompetência - Guido Mantega e sua companheirada heterodoxa usaram, abusaram e exorbitaram na produção de equívocos e enganaram a boa teoria econômica, estuprando-a e avacalhando-a seguidamente, com obstinação e morbidez impressionantes.

A heterodoxia econômica, então, – que tanto mal causou ao país até o início dos anos 90 – e que pensávamos estar sepultada -, reapareceu sob a forma de um fantasma que está hoje aterrorizando os descrentes e incautos de ontem, que são os surpresos deste momento.

Essas pessoas agora estão vendo e sentindo na pele a volta célere da inflação, o crescimento econômico ao estilo “rabo de cavalo”, o dólar, as tarifas de concessionárias e outros preços que foram mantidos artificialmente estáveis (o eufemismo para esse crime contra a economia é “preços administrados”), por razões políticas, subirem como foguetes, os preços determinados pelos mercados também subirem, o desemprego aumentar, o pior desempenho da balança comercial desde 1980, dólar a R$ 2,89 hoje, o referido relatório Focus revisar para baixo por nove vezes consecutivas o PIB de 2015, o mesmo acontecendo com a trajetória esperada dos tais “preços administrados”, só que, neste caso, para cima... Greve de caminhoneiros, que não suportam mais os custos a eles impostos pelo Estado glutão, passeatas pelo impeachment da presidente programadas, respostas irresponsáveis do ex-presidente convocando o exército do Stedile, rebelião do PMDB no Congresso contra o governo, incerteza, impaciência, preocupações e interrogações quanto ao futuro. Somemos a isso os valores extraordinários extraídos dos cidadãos e empresas pela corrupção, cujo carro chefe, até aqui, é a impressionante relação de crimes cometidos por diretores daquela empresa de petróleo que seria o “orgulho dos brasileiros” e por doleiros e diretores de empreiteiras ligadas a ela.

Todo esse quadro preocupante é consequência, a meu ver, de três elementos: o decrépito e comatoso socialismo petista, o projeto do governo de perpetuar-se no poder a qualquer preço e a política econômica medíocre de Mantega, que se encaixava perfeitamente nesses dois motivos.

Após mentir sem o menor pudor na campanha presidencial do ano passado e já na primeira semana depois da divulgação do resultado das eleições, o que fez a presidente reeleita à custa do desrespeito à verdade e do programa Bolsa Família? Simplesmente - com despudor e aquele tom autoritário que lhe é característico – admitiu alguns problemas, decretou os primeiros reajustes nos “preços administrados” e sinalizou que seu futuro ministro da Fazenda seria alguém que viria para fazer um “ajuste fiscal”...

Passaram-se apenas quatro meses, a cortina caiu, o que – repito – era absolutamente previsível e o real estado de nossa economia foi desnudado. O país vive hoje, infelizmente, um período de tensões. Os incautos do passado que ajudaram a reeleger a presidente começaram, um a um, a se sentirem ludibriados; os inocentes úteis de ontem perceberam aos poucos que haviam sido iludidos e os beneficiários dos bolsa-isso-bolsa-aquilo, que sua dignidade não depende de esmolas, mas de oportunidades de trabalho, algo que o governo, simplesmente, foi tolhendo com o agigantamento do Estado alimentado pelas trapalhadas de Mantega.

Veio o novo ministro, pretenso salvador da pátria, e o que fez? Premido em parte por injunções políticas, mas também por concepções equivocadas a respeito da necessidade de reduzir fortemente o tamanho e a influência do Estado em nossas vidas, cortou pensões e mexeu em “direitos trabalhistas” que o governo antes jurava de mãos juntas que eram intocáveis, onerou empresas e pessoas físicas com mais impostos e ameaça colocar mais peso na canga do Estado, tornando o jugo impossível para os brasileiros que trabalham e produzem. Cortes de gastos públicos? Extinção de ministérios e programas inúteis? Ora, não podemos nos esquecer de que os que estão mandando no país são socialistas e acreditam nessas chuvas de “carochinhas” serôdias. A expectativa, nesse campo, é de que, se o governo cortar meia dúzia de centavos em seus gastos, já será de bom tamanho.

O ambiente está conturbado: o governo acuado de um lado pela situação lamentável a que levou a economia e de outro pelas acusações de corrupção; o Congresso sinalizando que não continuará a dizer amém aos descalabros palacianos; os empresários e empreendedores sufocados e manifestando crescente insatisfação e uma parcela substancial da população sentindo-se ludibriada.

Fala-se em impeachment da presidente, mas, sinceramente, não creio que essa possibilidade seria a solução, primeiro porque um eventual impedimento exigiria provas de que a presidente participou ativamente das atividades de corrupção, ou de que tinha pleno conhecimento delas – o que, a essa altura, acredito que seria leviano afirmar e exigiria provas. E, segundo, porque, no caso de se concretizar o impeachment, quem assumiria em seu lugar? O PMDB – o mesmo que fez os planos Cruzado, Bresser e Verão e que é um verdadeiro saco de gatos? Não, penso que a presidente deve permanecer no cargo. Tal como diz o velho ditado, quem pariu Mateus que o embale. Que pague com o preço da impopularidade, minuto a minuto, até o último dia de 2018, quando entregará o cargo a seu sucessor. Quem semeia ventos colhe tempestades e nosso povo, até lá, talvez aprenda, pelo sofrimento, a não votar em socialistas e demagogos. A tempestade está aí e nem o maior estadista de toda a história, caso assumisse a presidência do país hoje, poderia aplacá-la com sua simples presença. Os protestos, contudo, devem continuar, tal como o PT fazia intensamente, desde 1980, quando foi fundado, até o final de 2002. Agora, é tempo de ouvirem do povo: ipse venena bibas, como na oração de São Bento. Enfim, a cortina desceu e a máscara caiu.

Escrevo essas linhas com tristeza, com grande tristeza, mas não posso deixar de exprimir que não foi por falta de aviso.

 

http://www.ubirataniorio.org/index.php/artigo-do-mes/283-aviso

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  • Leonardo Faccioni
  • 05 Março 2015


Acusar petistas de corrupção (o tipo penal previsto pelo texto legal) pode funcionar para fins eleitorais (há controvérsias), e seguramente corresponde à realidade, mas é inexato e insuficiente. Corruptos sempre os houve e sempre haverá — ainda que nunca antes vistos em tamanhos volume e desfaçatez.

A diferença específica do petismo não é que assaltem o erário aqui, acolá e onde quer que se instalem, tratando como sua a coisa pública. O projeto de poder do PT não tem por fim o enriquecimento dos líderes partidários (embora seu enriquecimento lhes seja um bem-vindo incidente). Petistas de pura cepa não hesitariam em perder fortuna, liberdade, ou mesmo a vida pelo campo político que integram, e esse tem sido o grande trunfo das esquerdas ao longo dos últimos três séculos: diferente do ethos aristocrático, a ética burguesa que hoje lhes é contraposta — nisso Marx estava certo — traz por fundamento a autopreservação, incitando a covardia; enquanto a Revolução chama ao martírio.

Isso porque a apropriação das verbas estatais pelos partidos de esquerda é meio, e visa a um fim de natureza tipicamente transcendente, que, em sociedades retamente ordenadas, estaria a encargo da religião. É a paralaxe estrutural das esquerdas que as faz buscá-lo dentro do universo imanente, ensejando o surgimento de indivíduos e coletividades aberrantes.

Petistas não são meros ladrões. São corruptores da alma e do espírito, e essa é ferida profunda — a mais difícil de tratar em uma nação. Pervertem caracteres um a um, inoculando ódios insaciáveis, capazes de devorar o mundo sem se exaurir. Ódio contra a realidade em si. Todo o poder humano não lhes seria o bastante: através do partido — ou, mais amplamente, do campo político esquerdista — o petista ambiciona tornar-se o primeiro dos “novos homens” (para Nietzsche, super-homem), que realizará em si a promessa da Serpente: “sereis como deuses!”


Não é à toa que Saul Alinsky, um dos maiores nomes do movimento americano conhecido como “New Left” (Nova Esquerda), dedica seu livro mais influente (Rules for Radicals) “ao primeiro radical...que rebelou-se contra a ordem estabelecida, e o fez tão eficazmente que, ao menos, conquistou seu próprio reino: Lúcifer”.
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Petistas chegaram ao poder político formal após vinte anos de acusações aleatórias contra tudo e contra todos, todas fundadas em alegações de corrupção financeira. Entretanto, ao tomarem posse do governo, inauguraram o mais abrangente esquema de corrupção imaginado em nossa História.

Como se explica a incoerência?

É em semelhantes ocasiões que a sabedoria imemorial estapeia, com luvas de pelica, nossa soberba geração:
“Tomando Maria uma libra de bálsamo de nardo puro, de grande preço, ungiu os pés de Jesus e enxugou-os com seus cabelos. A casa encheu-se do perfume do bálsamo. Mas Judas Iscariotes, um dos seus discípulos, aquele que o havia de trair, disse: 'Por que não se vendeu este bálsamo por trezentos denários e não se deu aos pobres?' Dizia isso não porque ele se interessasse pelos pobres, mas porque era ladrão e, tendo a bolsa, furtava o que nela lançavam.” (Evangelho segundo São João, 12.3-6).

http://www.leonardofaccioni.org/

 

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  • Luiz Carlos Da Cunha
  • 02 Março 2015

O bom senso reconhece a justeza do protesto dos caminhoneiros contra o preço da energia que alimenta seu ganha pão. O governo da senhora Dilma que no quatriênio anterior amarrou os preços dos combustíveis saídos da Petrobras, em defasagem com os preços de mercado internacionais, os decretou no fito político de conter a inflação pelo artifício intervencionista.

Aos caminhoneiros, vindicar agora a redução do preço do diesel ao patamar antes decretado pela mesma presidente, tem coerência, quando seu preço internacional caiu 50%. Em contrapartida os protestos urbanos contra o aumento das passagens dos coletivos se dirigem às autoridades municipais, quais sejam elas as responsáveis pelo custo do combustível alimentador do transporte. Um pleito na direção errada. Tanto no limite urbano como no circuito nacional, tratando-se do combustível, a responsabilidade cabe a Petrobras e sua interventora, a presidente da república e não ao prefeito ou empresários do sistema de transporte urbano, personalidades terciárias na escala de domínio do fato.

A equação é tão simples e compreensível que vale indagar qual a razão que orienta seus protagonistas a tão desfocado alvo? Quando os dois movimentos se confundem em objetivos: combater o custo de vida na cidade e nas estradas. Aprofundando o significado dos dois movimentos na atmosfera política e econômica que atravessamos, pode-se vislumbrar no âmago desse conflito complexo e simples, o atraso secular de nossa infraestrutura ferroviária e rodoviária, reduzido a dois modais golpeados brutalmente nestes dias.

Delata a falta e ineficiência do transporte ferroviário no distenso do país e na extensão das grandes cidades. Esta carência, que pode ser atribuída a uma cina histórica de nossa deformação cultural e política, não deve servir de pretexto para desculpar as autoridades presentes, cujas ações desastradas na condução de políticas econômicas equivocadas e populistassomente agravaram, e teimam em agravar um erro atávico. A greve de caminhoneiros no Chile em 73 finou o governo Allende.
 

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  • Pe. Acchylle Rubin
  • 02 Março 2015

A filosofia da história ocupou-se arduamente em buscar um sentido para o desenrolar através dos tempos dos acontecimentos humanos. Não conseguiu, porém, estabelecer um consenso entre os estudiosos. Não obstante, surpreende que o paradigma “história”, ou “histórico”, tenha alcançado, na cultura atual, tanta importância no pensamento e no agir das pessoas.

Entretanto, a história, com a vinda ao mundo de Jesus, ganha, assim como toda a criação, um sentido novo e original.
Em verdade, o “sinal de contradição” e de “queda e soerguimento para muitos” (Lc 2,34) se manifestou logo no modo novo de julgar e agir daquele “Menino”. Essa novidade, com efeito, fez com que os homens do templo, como os próprios discípulos, tivessem tanta dificuldade para entendê-lo. Os primeiros não o suportaram e terminaram crucificando-o.
Acontece que a alegoria da Caverna de Platão, entre outros significados, mostra que a sociedade não suporta alguém que venha tirá-la de suas ilusões. Platão deverá ter pensado em Sócrates. Muito mais, porém, devemos pensar em Jesus. Ele veio tirar-nos das ilusões da história, mostrando-nos que a história e a criação toda, começavam a ter, a partir dele, outro sentido.

Sobre esse sentido novo da história encontramos valiosos comentários em um autor do século II de nossa era nos deixou escrito numa carta chamada de Carta a Diogneto, publicada pela editora Vozes, em 2003.

É surpreendente como essa carta nos apresenta os cristãos como pessoas “trans-históricas”. Nos capítulos V e VI se lê que os cristãos são “paradoxais”: iguais e diferentes, ao mesmo tempo, dos demais cidadãos históricos. São iguais em tudo o que diz respeito à pátria comum: habitam nas mesmas cidades; empenham-se na política do estado; seguem os mesmos costumes, a mesma língua; vestem-se como os demais e, como os demais, também se alimentam.

Não obstante, “moram na própria pátria, mas como peregrinos”, “ cidadãos, de tudo participam, porém, tudo suportam como estrangeiros”. “Toda terra estranha é pátria para eles e toda pátria, terra estranha” (pg.23); “estão na carne, mas não vivem segundo a carne. Se a vida deles decorre na terra, a cidadania, contudo, está nos céus” (pg.24). Portanto, paradoxais, iguais e diferentes, muito diferentes.

Na introdução da edição, citada acima, Dom Fernando A. Figueiredo comenta que a carta nos fala do “Hoje Divino” da História da Salvação, para nos dizer que “o cristão se torna contemporâneo do Cristo”, ou, melhor, Cristo é sempre nosso contemporâneo (pg.14).

Em outras palavras, isso corresponde a dizer que a História da Salvação perpassa e transcende a história humana. Goza de um princípio de perenidade. Representa o “Hoje Divino”, sempre “contemporânea”, independente dos fatos histórico-sociológicos.

Portanto, a História da Salvação em Jesus Cristo é paradoxal. Ela transcende os critérios da filosofia na busca de sentido para os fatos seqüenciais da história humana. Até, por ser sempre contemporânea, nem é propriamente história, ultrapassa a história.

Em nossos dias, tal afirmação é escandalosa, acostumados que se está a submeter tudo, também como método teológico e pastoral, aos critérios dos acontecimentos histórico-circunstanciais.

O novo sentido da história, depois de Cristo, não é levado suficientemente em conta. O próprio critério do “sinal dos tempos”, não é visto sob esse novo sentido. E assim, o domínio da filosofia da história e da sociologia impede que se veja a contemporaneidade da História da Salvação, a contemporaneidade de Jesus Cristo, ontem, hoje e sempre.
Qual o prejuízo para a vida cristã e para a evangelização? A vida cristã se torna apenas uma lembrança histórica, ou uma ciência sujeita à pura hermenêutica e não um acontecer agora, na vida dos cristãos. A evangelização, por sua vez, passa a esbanjar energias em bens materiais e esforços humanos, nas infindas análises e atenções voltadas para os fatos sócio-históricas das conjunturas sociais do momento e perde de vista o que é mais importante, a verdadeira natureza da vida cristã, a contemporaneidade de Cristo e da vida cristã.

Como, então, se entende essa visão paradoxal? A Carta responde no capítulo VIº com uma analogia que nos aproxima da compreensão. Compara o cristão, frente à sociedade profana, como a alma em relação ao corpo. A alma transcende o corpo, nos dois sentidos do transcender, tanto por encontrar-se em todas as partes, animando o corpo todo, quanto por ultrapassar a materialidade do corpo.

Assim são os cristãos. Em primeiro lugar, eles estão em toda parte: “Encontra-se a alma em todos os membros do corpo, e os cristãos dispersam-se por todas as cidades do mundo” (pg.24). Em segundo lugar, como a alma “habita no corpo, mas dele não provém, os cristãos habitam no mundo, mas não são do mundo” (pp. 24-25).

Prosseguindo na comparação, o autor da Carta fala do modo de acontecer do ser cristão na sociedade profana e de sua função. O acontecer do ser cristão é, ainda, semelhante ao da alma: Assim como “a carne odeia a alma e a combate... também o mundo odeia os cristãos”... mas, “a alma ama a carne... assim os cristãos amam os que os detestam” (pg.25). A função, entretanto, do ser cristão é também semelhante à da alma: Como “a alma é quem faz a coesão do corpo”, assim também “são eles (os cristãos) que sustêm o cosmo”.
A comparação da alma e da carne nos recorda a parábola do fermento e da massa (Mt 13,33). Jesus disse que o Reino de Deus é o fermento que faz levedar a massa. A massa levedada, enquanto massa, é igual a todas as massas, mas enquanto levedada é outra massa bem diversa. Assim, a sociedade, enquanto sociedade, é igual a todas as demais, mas, enquanto permeada por vida cristã, será bem outra sociedade.

Ademais, o fermento permanece invisível, assim como a ação dos cristãos na sociedade. A Carta a Diogneto, seguindo sua comparação, afirma que, a alma invisível anima um corpo visível, assim como o cristão, no seu “culto a Deus, permanece invisível” ao mundo e, entretanto, o permeia, o anima e o transforma, transcendendo-o, porém, tanto por estar em toda parte, como por estar criando, sem ilusões, “outro mundo possível”, diferente do “sonhado” pelos sociólogos e invisível para aqueles a quem lhes falta órgão para ver (Cf Lc 17,20; Mc 4,11-12; Mt 11,25).

E se a queda do Império Romano se explicasse muito melhor, graças a um processo invisível de infiltração, como acontece com os dendrólitos, árvores feitas pedras, por semelhante processo?

O Império não ruiu graças ao empenho dos cristãos em “ações sociais”, buscando a troca das estruturas injustas de então, mas ruiu por um processo de infiltração pelo fermento evangélico. De tal sorte aconteceu que, quando o Império se deu conta, a mãe do Imperador era, nada menos que Santa Helena.

O cristianismo não foi concorrente à sociedade civil. Não precisou pensar em nenhuma pressão física ou moral. A pressão foi espiritual. Melhor, foi o “brilho” da vida cristã, manifestação de seu lado ontológico, fermento invisível, que minou a sociedade civil, atraindo os agraciados de sensibilidade espiritual que acorreram pressurosos.

Assim, minha apreciação a respeito dos “padres midiáticos” é a seguinte: seu sucesso não se deve ao poder da comunicação, mas ao testemunho por atitudes e palavras de uma experiência do Espírito prometido por Cristo aos que a pedissem (Lc 11,13).

O Papa, em sua rápida passagem entre nós, definiu a evangelização como um processo de atração, a exemplo do que Jesus disse e fez: Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim (Jo 12,32).

Concluindo, esse processo transformador do ser cristão representa o lado transcendente da História da Salvação, da vida cristã no mundo. O Evangelho representa novo sentido da vida, da sociedade e da história humanas 

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  • Maria Lucia Victor Barbosa
  • 28 Favereiro 2015

A Venezuela está mergulhada no caos econômico e político depois dos sucessivos desgovernos de Hugo Chávez e do seu genérico, Nicolás Maduro. E quando a economia vai mal não há governo que resista, sendo inúteis a propaganda enganosa e a lábia populista que visa iludir o povo.

Maduro, vendo o chão correr age como todo déspota apelando para a força bruta, as prisões arbitrárias, a tortura, a constante intimidação dos adversários, a perseguição à mídia e, recentemente, a autorizou o uso de armas letais contra manifestantes desarmados.

Existe também o surrado recurso á teoria conspiratória, que se conjuga à vitimização forjada em documentações e gravações falsas. Desse modo, o falsário Maduro se apresenta como vítima de uma conspiração que objetiva um golpe de Estado. Em última instância, seu assassinato. Para tornar a pantomina mais real manda prender o prefeito metropolitano de Caracas, Antonio Ledzma, que acusa de envolvimento nos protestos antigoverno de 2014. E como não podia faltar o tiranete da Venezuela põe a culpa de tudo nos Estados Unidos. Só faltou culpar Fernando Henrique Cardoso.

Recentemente a escalada de violência ceifou a vida de um jovem de 14 anos, morto com um tiro na cabeça quando participava de um protesto contra Maduro. Inventou-se, então, uma historinha segundo a qual manifestantes encapuzados tentaram rouba as motos de quatro oficias que dispararam e depois viram cair um corpo. De quem? Justamente do jovem “conspirador”.

No seu relatório anual sobre o estado das liberdades no mundo, divulgado em 24 de fevereiro deste ano, a ONG Anistia Internacional, tão cara aos petistas, denunciou tortura e maus-tratos contra manifestantes e cidadãos venezuelanos. Indicou que pelo menos 43 pessoas morreram nos protestos de 2014 e 870 ficaram feridas. Houve violação dos Direitos Humanos e confrontos violentos entre manifestantes e forças de segurança, que contaram com apoio de grupos armados favoráveis ao governo. Ao menos 23 pessoas foram submetidas a torturas, espancamentos, ameaças de morte e violência sexual depois de serem presas pela Guarda Nacional e pelo Exército do Estado de Táchira.

A Anistia Internacional afirma ainda em seu relatório que 150 pessoas morreram nas prisões venezuelanas no primeiro semestre do ano passado. Também o Observatório Venezuelano de Prisões denunciou que entre 1999 e 2014, 6.472 presos morreram nas masmorras do país.

O que diz sobre isso o PT que se arvora em defensor de direitos humanos? Segundo nota afirma seu repúdio contra “quaisquer planos de golpe contra o governo de Nicolás Maduro.” “O Partido dos Trabalhadores tem acompanhado com atenção a situação politica venezuelana e expressa sua preocupação sobre fatos recentes que atentam contra a vontade popular”. “O povo venezuelano deixou clara a opção pelo aprofundamento das políticas sociais iniciadas no governo Hugo Chávez”. Assina a nota de apoio incondicional a Maduro, Rui Falcão, presidente nacional do PT.

No evento em defesa da Petrobras (24/02/2015), na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, promovida pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pela Federação Única dos Petroleiros (FUP), esteve presente Lula da Silva. Foi defender a Petrobras que demoliu, a democracia que despreza, os direitos humanos à lá Chávez. Num momento de arroubo vociferou: “Em vez de ficarmos chorando, vamos defender o que é nosso”. “Também sabemos brigar”. “Sobretudo quando o Stédile (chefe do MST) colocar o exército dele nas ruas”.

Portanto, o presidente de fato, temendo perder seu projeto de poder transformou-se em agitador confundindo o Brasil com porta de fábrica. No ataque raivoso atentou contra o Estado Democrático de Direito, investiu contra a Constituição.

Reza a Constituição, Art. 5º - XVII – “é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”. E no parágrafo XLIV, lê-se: “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático”.

O MST, com suas camisas e bandeira vermelhas, seus facões e enxadas a guisa de instrumentos de trabalho, sempre marchou unido como um grupo paramilitar. Seu histórico é de invasão de terras produtivas, destruição de gado, impedimento de funcionários das fazendas de ir e vir, ateamento de fogo às sedes, ameaça aos proprietários. Recorde-se que no ano passado Maduro enviou um de seus ministros ao Brasil para dar treinamento militar ao MST.

Em nota o Clube militar afirmou que só existe um Exército, o Exército brasileiro, o Exército de Caxias. As demais instituições se calaram. Vale ainda lembrar, que enquanto o MST é recebido por autoridades, incluindo a presidente da República, o governo baixou seus punhos de aço contra os caminhoneiros por conta de uma greve que é justa. Estaremos indo rumo à Venezuela?

* Socióloga.

www.maluvibar.blogspot.com.br 

 

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  • Fernando Gabeira
  • 27 Favereiro 2015

(Originalmente publicado em O Estado de São Paulo, 27/02/2015)


Se o PT pusesse fogo em Brasi´lia e algue´m protestasse, a resposta viria ra´pida: onde voce^ estava quando Nero incendiou Roma? Por que na~o protestou? Hipocrisia.

Com toda a pacie^ncia do mundo, voce^ escreve que ainda na~o era nascido, e pode ate´ defender uma ou outra tese sobre a importa^ncia histo´rica de Roma, manifestar simpatia pelos crista~os tornados bodes expiato´rios. Mas e´ inu´til.

Voce^ esta´ fazendo, exatamente, o que o governo espera. Ele joga migalhas de nonsense no ar para que todos se distraiam tentando cata´-las e integra´-las num campo inteligi´vel.

Vi muitas pessoas rindo da frase de Dilma que definiu a causa do esca^ndalo da Petrobra´s: a omissa~o do PSDB nos anos 1990. Nem o riso nem a indignac¸a~o parecem ter a mi´nima importa^ncia para o governo.

Depois de trucidar os valores do movimento democra´tico que os elegeu, os detentores do poder avanc¸aram sobre a li´ngua e arrematam mandando a lo´gica elementar para o espac¸o. A ta´tica se estende para o pro´prio campo de apoio. Protestar contra o dinheiro de Teodoro Obiang, da Guine´ Equatorial, no carnaval carioca e´ hipocrisia: afinal, as escolas de samba sempre foram financiadas pela contravenc¸a~o.

O intelectual da Guine´ Juan Toma´s A´vila Laurel escreveu uma carta aos cariocas dizendo que Obiang gastou no ensino me´dio e superior de seu pai´s, em dez anos, menos o que investiu na apologia da Beija-Flor. E conclui alertando os cariocas para a deme^ncia que foi o desfile do carnaval de 2015.

O pro´prio A´vila afirma que na~o ha´ nu´meros confia´veis na execuc¸a~o do orc¸amento da Guine´ Equatorial. Obiang na~o deixa espac¸o para esse tipo de comparac¸a~o. Tanto ele como Dilma, cada qual na sua esfera, constroem uma versa~o blindada a`s ana´lises, comparac¸o~es nume´ricas e ao pro´prio bom senso.

O mundo e´ um espac¸o de alegorias, truques e efeitos especiais. Nicola´s Maduro e Cristina Kirchner tambe´m constroem um universo pro´prio, impermea´vel. Se for questionado sobre uma determinada estrate´gia, Maduro podera´ dizer: um passarinho me contou. Cristina se afoga em 140 batidas do Twitter: um dia fala uma coisa, outro dia se desmente.

Numa intensidade menor do que na Guine´ Equatorial, em nossa Ame´rica as cabec¸as esta~o caindo. Um promotor morre, misteriosamente em Buenos Aires, o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, so´ e indefeso, e´ arrastado por um pelota~o da poli´cia poli´tica bolivariana.

Claro, e´ preciso denunciar, protestar, como fazem agora os argentinos e os venezuelanos. Mas a tarefa de escrever artigos, de argumentar racionalmente, parece-me, no Brasil de hoje, ta~o antiga como o ensino do latim ou o canto orfeo^nico.

Alguma evide^ncia, no entanto, pode e deve sair da narrativa dos pro´prios bandoleiros. Quase tudo o que sabemos, apesar do excelente trabalho da Poli´cia Federal, veio das delac¸o~es premiadas.

Alguns dos autores da trama esta~o dentro da cadeia. Na~o escrevem artigos, apenas mandam bilhetes indicando que podem falar o que sabem.

Ao mesmo tempo que rompe com a lo´gica elementar, o governo prepara sua defesa, organiza suas linhas e busca no fundo do colete um novo juiz do Supremo para aliviar sua carga punitiva. O relator Teori Zavascki, na pra´tica, foi bastante compreensivo, liberando Renato Duque, o u´nico que tinha vi´nculo direto com o PT.

Todas essas manobras e contramanobras ficara~o marcadas na histo´ria moderna do Brasil. Essa talvez seja a raza~o principal para continuar escrevendo.

Dilmas, Obiangs, Maduros e Kirchners podem delirar no seu mundo fanta´stico. Mas vai chegar para eles o dia do vamos ver, do acabou a brincadeira, a Quarta-Feira de Cinzas do deli´rio autorita´rio.

Nesse dia as pessoas, creio, tera~o alguma complace^ncia conosco que passamos todo esse tempo dizendo que dois e dois sa~o quatro. Constrangidos com a obviedade do nosso discurso, seguimos o nosso caminho lembrando que a opressa~o da Guine´ Equatorial e´ a histo´ria escondida no Sambo´dromo, que o esquema de corrupc¸a~o na Petrobra´s se tornou sistema´tico e vertical no governo petista.

Dilma voltou mais magra e diz que seu segredo foi fechar a boca. Talvez fosse melhor levar a ta´tica para o campo poli´tico. Melhor do que dizer bobagens, cometer atos falhos.

O u´ltimo foi confessar que nunca deixou de esconder seus projetos para ampliar o Imposto de Renda. Na Dinamarca (COP 15), foi um pouco mais longe, afirmando que o meio ambiente e´ um grande obsta´culo ao desenvolvimento.

O Pai´s oficial parece enlouquecer calmamente. E´ um pouco redundante lembrar todas as roubalheiras do governo. Ale´m de terem roubado tambe´m o espac¸o usual de argumentac¸a~o, voce^ tem de criticar politicamente algue´m que na~o e´ poli´tico, lembrar o papel de estadista a uma simples marionete de um partido e de um esquema de marketing.

O governo decidiu fugir para a frente. Olho em torno e vejo muitas pessoas que o apoiam assim mesmo. Chegam a admitir a roubalheira, mas preferem um governo de esquerda. A direita, argumentam, e´ roubalheira, mas com retrocesso social. Alguns dos que pensam assim sa~o intelectuais. Nem vou discutir a tese, apenas registrar sua grande dose de conformismo e resignac¸a~o.

Essa resignac¸a~o vai tornando o Pai´s estranho e inquietante, muito diferente dos sonhos de redemocratizac¸a~o. O rei do carnaval carioca e´ um ditador da Guine´ e temos de achar natural porque os bicheiros financiam algumas escolas de samba.

A ta´tica de definir como hipocrisia uma expectativa sincera sobre as possibilidades do Brasil e´ uma forma de queimar esperanc¸as. Algo como uma introjec¸a~o do preconceito colonial que nos condena a um papel secunda´rio.

Na~o compartilho a euforia de Darcy Ribeiro com uma exuberante civilizac¸a~o tropical. Entre ela e o atual colapso dos valores que o PT nos propo~e, certamente, existe um caminho a percorrer.

Artigo publicado no Estadão em 27/02/2015
 

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