• Guilherme Fiuza
  • 09 Março 2016

(Publicado originalmente na revista Época)

O primeiro problema causado pela prisão do marqueteiro João Santana se deu em menos de 24 horas. O programa do PT na TV foi saudado praticamente em todo o território nacional com um panelaço retumbante. O que significou esse panelaço? Aí é a falta que João Santana faz: normalmente, o Partido dos Trabalhadores surgiria prontamente com sua "interpretação" dos fatos – alguma coisa como "as pessoas estão protestando contra a perseguição ao presidente Lula" ou "a elite branca agora deu para frequentar a cozinha".

Como todo mundo agora já sabe, pobre que é pobre não se mete em cozinha: manda a empreiteira. E pobre que tem sítio e tríplex não bate panela, porque está feliz da vida. O que será de toda essa narrativa coitada depois da prisão do mago João Santana?

A queda do ministro mais importante de Dilma e de Lula – ou talvez o único, apesar de não ter cargo no ministério – é a primeira ameaça real à governabilidade petista. O líder do governo no Senado foi preso e o Planalto nem notou. Delcídio do Amaral não fez a menor falta. Tanto que, nesse caso, o PT soltou logo uma nota oficial (com a grife do ministro Santana) jogando o senador às feras, praticamente dizendo que a lambança era problema dele, ele que se virasse.

Aí a mulher do senador começou a reclamar, dando a entender que Delcídio não ia apodrecer sozinho. Viu-se então como o governo Santana trabalha bem: fica quietinha aí, companheira, que daqui a pouco a opinião pública esquece seu marido irrelevante e o companheiro Teori Zavascki solta ele.

Não deu outra: passado o Carnaval – cálculo bem feito para não gritarem que Delcídio seria liberado para a folia –, o senador saiu do xadrez. É claro que o Brasil, coitado, curando a ressaca do porre carnavalesco, não se lembra mais por que o eminente parlamentar havia sido preso. Mas a mídia golpista está aqui para ficar martelando esses detalhes desagradáveis: Delcídio do Amaral foi preso pela Lava Jato por ter sido flagrado tentando obstruir a investigação dos crimes do petrolão.

Vamos recitar direito o samba-enredo, para facilitar a compreensão pelo país do Carnaval: o líder do governo no Senado, isto é, o representante do palácio de Dilma Rousseff no Congresso Nacional, foi surpreendido e gravado planejando a fuga para o exterior do excelentíssimo prisioneiro Nestor Cerveró, condenado no escândalo de corrupção da Petrobras – no qual o próprio Delcídio já era suspeito, assim como o governo por ele representado.

Fica assim, então, o refrão do samba: Delcídio do Amaral está livre para voltar a trabalhar (sic) no Senado Federal, e livre também, portanto, para dar prosseguimento ao seu patriótico esforço de melar a Operação Lava Jato. O companheiro Teori Zavascki, goleiro inexpugnável do STF que não deixa passar uma bola sequer contra a companheira presidenta – em dupla afinada com o zagueirão Janot, que rebate tudo sem despentear a franja –, achou que não havia mais razão para manter Delcídio preso. Qual terá sido a sua premissa? Provavelmente, apostou que as pilhas do gravador do filho de Cerveró acabaram.

Realmente, se o rapaz não gravar mais nada, a ameaça cessa: a quadrilha do petrolão poderá voltar a desfalcar o Brasil honestamente, como aconteceu por mais de dez anos sem ninguém se incomodar. Como disse João Santana ao receber a ordem de prisão, o país mergulhou num "clima de perseguição". Lula teve de interromper sua lua de mel com a Odebrecht, Renato Duque foi caçado e encarcerado gritando "que país é este?", Delcídio do Amaral foi capturado indagando aos policiais "como assim, um Senador da República?". Como se vê, o país foi arrancado de seu clima de normalidade venal.

Nada disso seria problema sem a prisão do ministro João Santana. Antes, se o povo saía às ruas de verde e amarelo, lá vinha a genialidade canalha: "Essa gente está protestando contra a corrupção com a camisa da CBF?". Agora a pergunta é outra: "Esses malandros estão parindo slogans de vítimas com dinheiro do petrolão?".

Vamos ver se o novo samba cai na boca do povo: Dilma Rousseff foi eleita com dinheiro roubado da Petrobras – como sustentam os fundamentos da prisão de seu marqueteiro pago por fora (do país e da lei). Chegou a hora de a mulher sapiens sambar

 

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  • Carlos I. S. Azambuja
  • 09 Março 2016

Para o marxismo, a prática tem prioridade sobre o conhecimento e é o fundamento de todo o conhecimento. Essa é uma tese de Marx, que seus epígonos não hesitaram em manter, e que é a própria base do marxismo: a primazia da praxis sobre o conhecimento, da ação sobre a doutrina e do fazer sobre o ser.

A conseqüência imediata dessa tese no ensino é a de que, para o marxismo, "educar não é pôr em contato com a verdade e sim com a prática". Mao-Tsetung afirmou que uma das características do materialismo dialético "é o seu caráter prático; sublinha a dependência da teoria à prática; que a prática é a base da teoria; que o critério da verdade nada mais é que a prática social".

A educação e o ensino, para o marxismo, devem realizar, na prática, a vinculação do homem ao sentido da História. "A educação é necessária e seu significado e sua tarefa consistem em provocar a máxima aceleração no processo histórico e fazer possível a transformação da consciência dos homens".

Para o marxismo, a única forma possível de educar consiste em lograr que consciente e livremente – falamos de liberdade marxista – o educando se realize, por contradições sucessivas na natureza e na história; "a educação marxista deve ser interpretada como acomodação...a educação é uma atividade acomodadora à situação revolucionária...educar é socializar".

O professor desempenha papel importante e "é fundamental que o ensino esteja em mãos de professores ideologicamente doutrinados e capacitados para acender a chispa da consciência comunista em seus alunos e, ademais de uma formação adequada, deve ter, acima de tudo, uma consciência política. A Escola e o Ensino devem estar permanentemente controlados para evitar a infiltração de resíduos e concepções burguesas"
É esse o objetivo da educação marxista: formar consciências comunistas.

E isso, como é obtido?

O procedimento varia segundo as circunstâncias. Não é o mesmo quando o marxista esteja no Poder, ou quando ainda não tenha conseguido a tomada do Poder. Quando domina a sociedade todos sabem como opera e, no outro caso?

Em primeiro lugar devemos ter em mente que o marxismo não trata de melhorar nada, e sim fazer uma transformação total, face ao seu próprio caráter dialético. A crítica do marxismo a toda a injustiça real ou a toda situação que se apresente como injusta, ou que se faça passar como tal, não tem por finalidade restabelecer a justiça ou melhorar as coisas em seu melhor e mais amplo sentido, e sim inserir o homem na dialética, lograr que os homens aceitem sua vinculação ao processo dialético, que é aquilo que, para o marxismo, constitui o progresso.

O marxismo não se preocupa com o proletariado porque ele esteja oprimido ou porque seja débil, e sim na medida em que é uma força, e quanto mais proletários existirem maior será sua força como classe revolucionária e mais próximo possível estará o socialismo.

O objetivo confesso dos marxistas é a tomada do Poder pela classe trabalhadora. Isso, todavia, não significa que nada se possa fazer antes que o Poder passe às mãos dessa classe. A luta pela melhoria da educação tem uma importância fundamental, pois sem a dedicação a essa luta não podem tomar forma e desenvolver-se nem os meios para tornar possível a ofensiva final, nem a ideologia que sustenta essa luta.

Daí a importância e o perigo do marxismo nos centros escolares da sociedade em que este ainda não tenha assumido o Poder. Perigo mais latente e real hoje, quando a doutrina comunista pretende chegar ao final da história – comunismo – por meio da conquista da sociedade civil, o que tornaria possível a subseqüente conquista do Estado. Ou seja, a conquista da sociedade civil como prelúdio da conquista da sociedade política, pois, conforme a terminologia de Gramsci, "antes de tomar o Poder é preciso conquistar a cultura".

Exemplo clássico de derrota do marxismo, por não possuir a hegemonia na sociedade civil, foi a sofrida por Salvador Allende, no Chile, em 1973.

Antonio Gramsci, ideólogo marxista italiano, falecido na década de 30, e seus seguidores eurocomunistas, descartam, por esse motivo, a violência revolucionária – que, no entanto, admitem, em último extremo – e dão mais importância à educação levada a cabo pelos intelectuais, considerando-a o principal fator revolucionário. Desse modo pretende-se evitar que a forte personalidade da sociedade civil nos países ocidentais se rebele contra o governo revolucionário, levando-o ao fracasso, como ocorreu com Allende.

É impossível que uma luta política possa culminar em verdadeiros resultados se não vier acompanhada de uma revolução, de uma reforma intelectual e moral, se não se modifica a mentalidade das pessoas e, por conseguinte, a superestrutura da sociedade. Por isso, o problema da revolução é, também, um problema de educação.

Daí a importância da Escola – na qual a política, a cultura e a pedagogia estão indissoluvelmente unidas – que poderá vir a cumprir, com relação aos jovens, o mesmo fim que um partido político.

Por tudo isso – ainda, segundo Gramsci, a difusão, desde um centro hegemônico – a Escola – de um modo de pensar homogêneo, é a principal condição para a elaboração de uma consciência coletiva.

Direção, organização da cultura, centro hegemônico, modo de pensar homogêneo, consciência coletiva, escola unitária, tudo isso é destinado a impor que se assimile a filosofia da práxis. Isto é, o marxismo, pela chamada sociedade civil.

No fundo, no entanto, nada mudou. Trata-se da instrumentalização da cultura e do ensino para atingir o objetivo visado pelo marxismo: a submissão do homem, mediante a submissão da inteligência.

Volodia Teitelboim, que foi membro da Comissão Política do Partido Comunista Chileno durante o governo Allende, referiu-se ao tema abordado neste artigo na Revista Internacional número 1/1982: "Quem controlar a cultura e sua base imprescindível, a educação, poderá não só definir retrospectivamente o acontecido como também controlar o futuro".
 

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  • Sonia Zaghetto
  • 07 Março 2016

(Publicado originalmente em soniazaghetto.wordpress.com)

Assisti ao discurso do ex-presidente Lula da forma o mais isenta possível e mente aberta. Obviamente não esperei grandes mudanças, mas imaginei que haveria um pouco de autocontrole como demonstração de inteligência. Aguardei alguma demonstração de contenção, se não por gestão de imagem, mas como medida destinada a não aumentar a grande fogueira dos ódios deste país. Imaginei que, dado o momento inédito em sua vida, manifestaria algum respeito aos milhões de brasileiros cujas mentes não se curvam à retórica barata. Em vão: palavras vazias, em uma fala recheada de clichês e tolices, plena de auto louvação, piadas grosseiras, delírios narcisistas e frases piegas que comoveriam apenas pré-adolescentes ou amigos encharcados de boa vontade.

Houve, ainda, uma revisita a dois clássicos: a velha estratégia vitimista sobre a perseguição movida pelas elites por ser o redentor dos pobres; e o desejo sádico de alimentar um pouco mais o ódio que hoje divide seus compatriotas. Observei-lhe o rosto contorcido, a expressão raivosa, a incapacidade de se reconhecer como cidadão comum, submetido às leis do país. E entendi: Lula hoje acredita piamente na imagem que ele e seus aduladores criaram. Para ele, é inadmissível que seja investigado, ou conduzido a depor: trata-se de falta de respeito. Logo ele, tão grandioso, dotado de tal inteligência que chega a mencionar com desprezo os que dedicam longos anos ao estudo.

Atrás dele, uma multidão aplaudia, mesmerizada. E me veio à memória uma história que se conta sobre Julio Cesar. Ao entrar triunfante em Roma, quase semideus em sua dourada carruagem, trazia consigo um escravo que o prevenia contra os excessos da vaidade, lembrando-o, de tempos em tempos: “Memento mori!” (Lembra-te que és mortal!).

É uma pena que Lula não tenha entre os seus quem o alerte para os excessos intoxicantes da vaidade que cega.

É uma pena que Lula ame apenas a si mesmo e não ao país, transformando uma parte significativa de nossa população em inimigos sobre quem açula seus cães.

É uma pena que ninguém lhe diga, francamente, que o rei está nu – que sua habilidade de comunicação só funciona para dois segmentos: os que se renderam a essa nova forma de fanatismo criada por seu partido; e a parcela da população cuja ausência de educação é louvada como vantagem e não como vergonha.

Despido de riquezas morais, passará à história como fanfarrão histriônico.

Órfão de qualidades éticas, não consegue reconhecer que ultrapassou todos os limites.

Desabituado à reflexão, não vê além dos limites das necessidades básicas.

Embriagado pela bajulação, não consegue ver nas críticas de milhões de brasileiros a advertência severa para seus excessos.

Tudo isso, Lula já havia demonstrado sobejamente em ocasiões anteriores. Hoje apenas reafirmou, em rede nacional, que desconhece o significado da palavra grandeza.

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  • Gilberto Simões Pires
  • 07 Março 2016

(Publicado originalmente em pontocritico.com)

MUITOS A FAVOR E POUCOS CONTRÁRIOS
Enquanto muitos brasileiros estão festejando a decisão tomada pelo juiz federal Sergio Moro, por ter obrigado o ex-presidente Lula a prestar depoimento, de forma -coercitiva-, ao MPF, uma minoria formada por adoradores do ex-presidente julgou a decisão do magistrado como autoritária, absurda e totalmente descabida.

FROUXA E EQUIVOCADA
Pois, fazendo uso da liberdade que todos os brasileiros gozam (por enquanto) de se manifestar, deixo bem claro que repudio, com todas as minhas forças, a atitude do juiz Sergio Moro, que entendo como FOUXA E TOTALMENTE EQUIVOCADA.

A MENTIRA COMO ARMA
Por tudo que vi, li e ouvi até agora, e não foi pouca coisa, estou convencido de que o grande erro cometido pelo juiz Sérgio Moro foi não ter expedido um efetivo MANDATO DE PRISÃO contra o maior larápio do nosso pobre país. Ainda mais porque a arma que o escroque domina, com desenvolura ímpar e jamais vista, é a MENTIRA.

JARARACA
Como o povo todo assistiu horas depois de ser levado a depor, o ex-presidente disse, alto e bom som, que é uma JARARACA. Mais: que o fato de ter sido levado a depor significou um ferimento na sua cauda, deixando livre a cabeça.

NÁUSEAS E ÂNSIA DE VÔMITO
Ora, antes de tudo é importante que todos saibam que a JARARACA é uma das serpentes mais perigosas dentro das espécies da família Viperidae. No Brasil pode ser encontrada nos Estados de Rondônia, Pará, Amazonas, Mato Grosso, Baía entre outros estados Brasileiro. Seu veneno atua de forma proteolítica, causando diversos sintomas como por exemplo: náusea, vômitos, hematoma local, falência dos rins e hemorragia intracraniana.
Como tive uma forte náusea e também vomitei enquanto ouvia a fala do ex-presidente, creio que fui picado.

MUÇURANA
Como Lula, de fato, se considera um serpente venenosa, que ameaça pode devorar o Brasil, o que resta àqueles que se sentem roubados, enganados e indignados é que se coloquem na condição de uma MUÇURANA, que antes de tudo é uma SERPENTE DO BEM.
Conhecida como devoradora (PREDADORA) de outros ofídios, em especial as venenosas jararacas, urutus e cascavéis, a MUÇURANA é tida como inofensiva para o homem.

PREDADOR
Pronto: no próximo domingo, 13 de março, vou às ruas de Porto Alegre rastejando. Como resolvi que sou uma cobra MUÇURANA, devo fazer o que manda a sua natureza: ser PREDADOR DA JARARACA. Que tal? 

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  • Ricardo Noblat
  • 06 Março 2016

(Publicado originalmente em O Globo, blog do Noblat)

Uma vez que o senador Delcídio Amaral (PT-MS) delatou Dilma, Lula e companhia ilimitada, sinto-me liberado para contar o que ouvi dele no primeiro semestre de 2006, a poucos meses da reeleição do então presidente Lula.
Delcídio era o presidente da CPI dos Correios que investigava o mensalão. Eu nunca havia conversado com ele antes. Jantamos no Restaurante Alice, no Lago Norte. E, ali, ele me disse o que segue.

Algumas semanas antes, se reunira em Belo Horizonte com Marcos Valério, o publicitário mineiro que operara o esquema do mensalão junto ao tesoureiro do PT Delúbio Soares. Valério estava aflito e furioso. Tivera dinheiro bloqueado por ordem judicial.

Precisava de ajuda para fazer face às suas despesas. Ameaçava contar o que sabia sobre o pagamento de propinas a deputados e senadores para que votassem no Congresso como mandava o governo.

Depois de ouvir o desabafo de Valério, disse-me Delcídio que havia pedido uma audiência a Lula. Fora recebido por ele no gabinete presidencial do terceiro andar do Palácio do Planalto. Delcídio transmitiu a Lula o que ouvira de Valério. E a primeira reação de Lula foi se calar.

Por alguns segundos, narrou Delcídio, Lula olhou parte da vegetação do cerrado que se descortinava a partir da janela envidraçada do seu gabinete. Parecia tenso. Voltou-se então para Delcídio e perguntou: "Você já procurou Okamotto?"
Delcídio respondeu que não. E Lula mais não disse e nem lhe foi perguntado. Seria desnecessário, observou Delcídio entre uma taça e outra de vinho chileno. Estava sóbrio, registre-se.

Paulo Okamotto era uma espécie de tesoureiro informal da família Lula. Ganhara o emprego de presidente do Sebrae. Hoje, é presidente do Instituto Lula, local de despacho do ex-presidente em São Paulo.

Delcídio procurou Okamotto. E logo depois foi procurado por Antonio Palocci, ministro da Fazenda, que fora acionado para garantir o silêncio de Valério.
 

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  • Igor Morais
  • 06 Março 2016


(Publicado originalmente em http://igoracmorais.com.br/ - Economia e Negócios)

A divulgação do pior resultado do PIB do Brasil dos últimos 25 anos, queda de 3,8% sobre 2014, representa muito mais do que números. É a confirmação da falha de política econômica centrada nas ações do Estado, defendida e aplicada pelos simpatizantes das teses de esquerda nos últimos 14 anos. A lista de erros é grande e vai desde as intervenções microeconômicas no setor produtivo, como mudanças tributárias setoriais e crédito subsidiado, até aumento do contingente de pessoas empregadas no setor público, passando pelo uso desenfreado de empresas estatais, congelamento de preços, desvio de recursos para partidos da base e ausência de uma política comercial externa. O país é rico, não temos dúvida, mas começou a mostrar os sinais de enfraquecimento após tantos anos de descaso e erros de condução econômica. E o cenário que se desenha hoje coloca em risco as conquistas que a sociedade brasileira teve com o Plano Real, como inflação baixa e controlada, disciplina fiscal, confiança de investidores e consumidores e abertura econômica. O famoso tripé, que nos deu sustentação de 1999 a 2009, já não existe mais. Voltamos mais de uma década no tempo, perdemos confiança internacional, o nível de produção da indústria de transformação chegou ao menor patamar da história (9,8%), e já é visível a piora na distribuição de renda.

A queda da renda per capita em 4,6% é apenas o primeiro sintoma de um empobrecimento que está em curso. Para resumir os resultados do PIB do ano passado, podemos usar o termo que foi cunhado na era PT: “nunca na história desse país”. Ele diz muito do ponto de vista da economia. Nunca na história desse país tivemos uma queda tão intensa da indústria, do comércio, dos transportes e nas atividades imobiliárias e de aluguel. Já do lado do gasto, a queda do consumo das famílias e da administração pública são os maiores da história. Por fim, é a primeira vez que há queda do PIB dos serviços.

Os recordes negativos não param de rechear o relatório de 14 anos de gestão da esquerda no Brasil. Mas tudo isso não deveria estar preocupando o leitor. Essa retração já era esperada e comentamos aqui nessa coluna várias vezes no passado recente. O que mais preocupa não é o sintoma de uma economia indo em direção ao abismo (sim, ainda não chegamos lá, tem como piorar), mas o receituário proposto pelo Governo para sair desse cenário. É a visão de futuro que deve te preocupar. No meu último artigo, de título “eles não aprendem”, citei os riscos da visão heterodoxa sobre economia. Naquele momento tínhamos apenas declarações dos mentores econômicos da esquerda sobre como sair da crise. Mas agora temos a materialidade dessa opinião. O último projeto apresentado pelo PT para recuperar a economia é de deixar qualquer investidor, empresário e economista preocupado. É o “Plano Nacional de Emergência (apresentado e aprovado pelo partido no dia 26 de fevereiro). São 22 medidas que podem ser divididas em dois blocos e resumidas em: i) como gastar mais o seu dinheiro; ii) como tirar mais dinheiro de ti. No primeiro estão itens como reajuste do bolsa família, criação de um fundo para reforma agrária, aumentar os gastos no programa minha casa minha vida, revitalizar o PAC, subsidiar o crédito e usar recursos das reservas internacionais para obras de infraestrutura. No segundo estão propostas como criar uma alíquota maior de Imposto de Renda, recriar a CPMF, tributar lucros e dividendos, criar um imposto sobre grandes fortunas, um ITR—imposto Territorial Rural progressivo, expandir o IPVA dentre outros.

Os erros do “Plano” vão desde o diagnóstico de como essa crise se formou e intensificou, como por exemplo bater na tecla de que a culpa é da crise internacional (como sustentar isso quando o mundo cresceu 3,5% em 2015?), até na proposta de sua solução, como não se preocupar com ajuste fiscal e derrubar o juro. Detalhe: não há nenhuma menção a palavra “inflação” ou então “produtividade” e muito menos de “abertura econômica”. Em resumo, fica claro que o partido que governa o País pretende “dobrar a aposta” que fez nos últimos anos para nos tirar da crise. Vale lembrar que esse era o cenário de risco que estava na mesa nas análises anteriores e pode realmente se materializar. Por isso que quando as investigações da lava-jato se aproximam de um desfecho, o mercado acionário reage de forma positiva como nos últimos dias. Parece que o melhor indicador antecedente para o futuro de curto e médio prazo do Brasil passou a ser a Justiça Federal.
 

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