Silas Velozo
Quando um brasileirinho da perifa raqueteia a bola de lado no tênis, dizem back-hand. Surfista girando no Ceará realiza loops e se roda caindo, drop spins. Isqueitista faz street ao andar nas ruas. Bicicletas despencando nas ladeiras das favelas, downhill. Internauta em Pindamonhangaba faz downloads. Peladeiros nas praias cariocas agora jogam beach soccer em competições oficiais. Zezinho qualquer no sertão dá um drible quando dibra. Caminhadas rústicas não mais, sim trekking. Idem pegar jacarezinho, agora body-board. Andávamos de bicicleta antes de virar bike. Se a loja entrega a domicílio, delivery. Bolha de proteção nos carros, air bag. Rango rápido, fast food. Roqueiro em Piancó balançando a cabeça, head-banger. Congelador, freezer. Dona Raimunda nem faz mais limpeza de pele, ora, é peeling. Alto-falante de sons graves, woofer. Pedaços de frango empanados, chicken-eetos. Faz o que tens, just do it. Patins, roller.
Por que não pendraive, rali, catupiri, saite, imeio, tríler, tur, isqueite, becape, linque, gurmê, trêiler, teipe, gueime, guei, musse e tantas outras como o jornal Pasquim faria, do mesmo modo que jogávamos bola brincando, confiantes de não precisar imitar o formalismo dos quadris duros estranjas. Com esse engarrafamento gringal acontecem alguns borocochismos evitáveis. Quando anos atrás o vulcão Eyjafjallajökull (pronuncia-se Eiafiétlariogute) na Islândia entrou em erupção, causou danos à economia europeia, africana, asiática e... à língua portuguesa. Batendo cabeça, nossa imprensa usou a grafia islandesa original, tendo de botar uma bula nos instruindo como pronunciar o palavreão... Por que não grafar o nome já vertido ao português, em parênteses o original apenas uma vez nos textos?
Aí palavras aportuguesadas há décadas recomeçam a voltar ao ninho gringo, boutique, tarot, toilette, crochet, off-road, feedback, bamboo etc e até pasmei uma oficina mecânica anotar capot em vez de capô. Além do mais, o baque em nossa inventividade. Como Deutchland aflorou em Alemanha? Corner em escanteio? Abat-jour em abajur? Porque saboreávamos transpor quebra-línguas estrangeiros em malemolência brasilíssima. Orgulho, poesia e doce insubmissão nesse ato simples, como bananeiras balançando ao vento. Desconfiando não ser comparação besta, lá vai: das 9 primeiras copas do mundo de futebol, ganhamos 3, (sem nunca tomar sapatada de 7 x 1); depois disso, em 13 disputadas, só levantamos a taça duas vezes. Nos perdemos mais macaqueando o mundo do que gingando-o.
Anos atrás sonhei apenas ouvir a sonoridade de nosso idioma, desplugada de significado. Só a música das palavras encadeando-se, como se minhas orelhas viessem do leste europeu, de outra arquitetura semântica. Então... meu filho hoje namora uma polonesa! E, antes de captar o sentido de qualquer palavra em português, ela já o achava a língua mais bela. Passou a estudá-la. Ah, gostaria de herdar por uns momentos seus ouvidos ainda não totalmente racionais do idioma. Como num hotel em Amsterdã certa vez, quando um atendente nativo nos confessou adorar ouvir nossas conversas no saguão pelo prazer da musicalidade.
Ô ié! Se não conseguirmos antropofagar em gaiatice todas essas emissões estrangeiras, melhor arriar as fronteiras logo, dolarizar tudo, gringar de vez, porque tá chato demais. É ótimo passear nos idiomas alheios, mas importar sem imprimir o tempero brasuca não vertendo-os à língua mátria esfacela o Português, menospreza e deixa a maioria de nossos compatriotas confusos. E agora ainda querem enfiar goela abaixo a artificiosa e insossa linguagem neutra...
Enfim, nem “mior” nem outdoor, muito menos menine; sim, equilíbrio, sapequice, dengo, suingue, molejo nas ancas, vai-não-vai-vai-mesmo, tropicanonização. Fazer a vida se divertir!