Percival Puggina
Ontem fui com minha mulher buscar uma irmã que retornava do Rio de Janeiro após longo período acompanhando, com outra mana, a irreversível moléstia de uma sobrinha. Enquanto o pesado trânsito de Porto Alegre nos arrastava num remansoso rio de luzes pela Av. Carlos Gomes, comentei que estava apreciando aquela lentidão. Ante a surpresa das duas, esclareci que durante dois anos havíamos usufruído de um trânsito mais tranquilo, mas ele refletira a dura crise econômica causada pelo “fique em casa” e pelo “a economia a gente vê depois”.
O que agora víamos nas ruas deveria ser entendido como a retomada de sinais vitais, o corpo social e econômico respondendo positivamente a uma sábia combinação de liberdade e estímulos aplicados de modo correto. Tudo isso, a despeito da conhecida turma do quanto pior melhor. Só falta algum senador abusado entrar no TSE com denúncia de que os números promissores da economia são indícios de crime eleitoral e ministro em desvario dar ao presidente 48 horas para explicar as razões pelas quais a economia emite esses suspeitos sinais positivos.
Entre as razões da aceleração dos ritmos vitais se inclui, claro, a redução do preço dos combustíveis e de inúmeros tributos, medidas cuja principal consequência é haver mais dinheiro livre nas mãos das pessoas.
Penso que estaríamos ainda melhor não fosse o fato de revivermos, nestes dias, o período cíclico das incertezas eleitorais, que se agravam sob o sistema presidencialista de governo.
Alguém disse “nada a ver”? Pois leia o programa de governo de alguns candidatos. Eles me fizeram lembrar de um antigo exercício infantil em que as crianças, unindo com traço de lápis os pontos de uma gravura, reproduziam o desenho concebido pelo autor. Quem sabe “juntar os pontinhos” dessas propostas eleitorais obtém um desenho ameaçador. De modo reacionário, os autores do desenho pretendem nos levar de volta ao início do século. Algo assim não entusiasma os bons empreendedores nem quem esteja habituado a investir com meios próprios.
Por outro lado, nossa democracia não assegura a liberdade de expressão na proporção desejada pelos democratas. Temos tópicos proibidos e alvos políticos sob proteção do vocabulário opositor. Mas o direito de dizer bobagem é lindamente irrestrito. Evite falar sério.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.