• Percival Puggina
  • 24/02/2021
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O SOCIALISMO E O CANTO DAS SEREIAS

 

Percival Puggina

Nota do editor do site:

De um texto bem mais longo, produzido pelo filólogo e premiado escritor cubano Ernesto Pérez Chang, publicado em Cubanet, extraio o trecho abaixo. O artigo aborda o tema da prostituição na ilha, seja como fonte de renda de quem não consegue de outro modo prover as próprias necessidades e as necessidades familiares; seja como acusação do governo lançada sobre quem encontra um “marido” ou “esposa” e, com ele ou ela, sai da ilha; seja, ainda, como propaganda insinuada para estimular o turismo...

Diz Ernesto Pérez Chang:

Havana Cuba. - Segundo estimativas do The Havana Consulting Group, em 2019 as remessas para a ilha rondaram os três bilhões de dólares enquanto o embarque de mercadorias [doadas a pessoas físicas] elevou a cifra a cerca de seis bilhões.

Poderíamos acrescentar mais um bom dinheiro a esse montante se considerarmos que mais de 600 mil cubanos que vivem no exterior – 550 mil dos quais residentes nos Estados Unidos – viajaram a Cuba principalmente para visitar parentes ou em férias.

Segundo a mesma fonte, na década de 2008 a 2019, as remessas totais ao país somaram cerca de 30 bilhões de dólares, que, acrescidos aos mais de 27 bilhões recebidos em forma de mercadorias, perfizeram um total de 57 bilhões de dólares, mais de 90 por cento dos quais procedentes dos Estados Unidos.

São cifras espantosas para a prosperidade zero que observamos ao nosso redor, mas, ainda assim, junto com as receitas geradas pela indústria do turismo cubana, não só mostram quais são as bases em que se lastreia a economia nacional, mas também evidenciam que o regime cubano sobreviveu nos últimos anos graças a emigrantes, exilados e estrangeiros que fazem turismo.(...)

Assim, poderíamos continuar a deduzir que uma condição indispensável para a construção do socialismo “à cubana” é a existência de um financiamento forte e constante daquele capitalismo que, no discurso do regime, tem sido o principal obstáculo ao sucesso da “Revolução”. .

O paradoxo de um Partido Comunista "tropical" é tão grande e desavergonhado que, para forjar "novos homens" à imagem e semelhança de Che Guevara, é necessário aumentar constantemente seu exército de remetentes ao exterior e vender a Ilha nas agências de turismo como “paraíso dos prazeres”.(...)

COMENTO

O que mais me impressionava enquanto a mente fervilhava na redação de A tragédia da Utopia era saber que, naquele mesmo momento, em salas de aula brasileiras, professores ensinavam o oposto. Capturavam seus alunos nas armadilhas de suas narrativas, como o canto das sereias da Odisseia atraía os navegantes para naufragarem nos arrecifes do Mar Tirreno.   

Odisseu escapou dessa irresistível tentação amarrando-se ao mastro do navio e tapando com cera os ouvidos de seus marujos. Pergunto,  então: e quando as sereias do Tirreno cantam em sala de aula as maravilhas do socialismo, recortam a história universal para dela extrair apenas o que lhes convém, destroem nos alunos os valores do espírito e dos bens culturais de seu apreço? O mais provável é que décadas de vida sejam prejudicadas enquanto encalhadas nos arrecifes ideológicos para onde foram sedutoramente conduzidos.

Não amarre seus filhos num mastro. A melhor cera para os ouvidos é a verdade, é a boa informação. Foi pensando nisso que escrevi A Tragédia da Utopia.