• Percival Puggina
  • 01/10/2020
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O ORATÓRIO DO LEBLON

 Resumindo o fato, uma comunidade religiosa do Leblon pediu autorização à prefeitura do Rio de Janeiro para construir, na praça Milton Campos, um oratório com imagem de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil. A autorização foi concedida pelo órgão competente.

 Trata-se de uma construção singela, ocupando menos de um metro quadrado. Pelo jeito, no entanto, a iniciativa bateu na má interpretação que muitos se empenham em difundir sobre a laicidade do Estado inserida na Constituição. Bateu, também, naquela alergia que alguns têm à religiosidade popular e aos símbolos que a representam com abundância nos espaços públicos e na formação da nação brasileira.

Entre os incomodados, o Ministério Público do Rio de Janeiro que resolveu ingressar com Ação Civil Pública para obrigar o município a não autorizar construção de oratórios e a remover os existentes, sob pena de multa diária de R$ 20 mil em qualquer dos casos. Eles ofenderiam a laicidade do Estado.

Ao indeferir a ação, o juiz Sérgio Roberto Emilio Louzada da 2ª Vara da Fazenda Pública mostrou que a laicidade do Estado, consagrada na Constituição, deve ser interpretada como um binômio de proibições. Num sentido, assegura a independência do Estado em relação às religiões e seus preceitos (protegendo o Estado) e, noutro, protege os indivíduos e as confissões religiosas de interferências estatais.

Na sentença, o juiz expressa seu desagrado com a pretensão do promotor:

"Melhor serviço público estaria prestando S.Exª., data vênia, se dedicasse tanto empenho a retirar das praças públicas a crescente população de rua que vive em condições precárias sem que os poderes públicos pareçam com isso se importar; ou, mesmo, cuidando S.Exª. de zelar pelo paisagismo urbanístico das comunidades carentes que socadas nas favelas do Estado sem as mínimas condições de dignidade humana, contribuem mesmo involuntariamente para o crescimento desordenado da cidade que se debruça em precipícios desprovidos de serviços públicos essenciais, transformando a urbe no caos que conhecemos e convivemos como meros espectadores de tragédias anunciadas.”

O MP recorreu da decisão ao Tribunal de Justiça. E não levou. O acórdão da 7ª Câmara Cível confirmou a decisão do magistrado do 1º grau. Existem símbolos de outras religiões em espaços públicos da cidade. Eles são cristãos, judaicos, ciganos, entre possivelmente outros. Nas palavras do relator, destacando apenas algumas linhas de seu extenso acórdão: 

“(...) a imponderada pretensão do Ministério Público, além de frontalmente contrária à Constituição Federal, ignora consequências gravíssimas para a ordem jurídica e social, atentando contra o próprio interesse da população, na medida em que a retirada dos oratórios religiosos impediria a busca e conforto espiritual em praças públicas pelos religiosos, especialmente para a população de rua, além de gerar alto custo para o erário municipal para a remoção, bem como incerteza quanto à sua destinação, com risco de danos e destruição. O Ministério Público, infelizmente, não quis se ocupar dessas questões.”

Mais adiante, aduz:

"A pretexto de defender a laicidade do Estado, o pedido autoral pretende, em verdade, impedir a liberdade religiosa em locais públicos (...)”.