• Percival Puggina, com conteúdo Correio Braziliense
  • 15/06/2022
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Uma casa sem espelhos

 

Percival Puggina

 

Leio no Correio Braziliense

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), contestou a declaração do presidente da Corte, ministro Luiz Fux, de que a anulação dos processos derivados da Operação Lava-Jato foi um ato "formal" e que os erros processuais não apagam os fatos que foram demonstrados nas investigações. Crítico dos métodos utilizados pelos procuradores de Curitiba, Gilmar afirmou na tarde desta segunda-feira, 13, durante almoço com empresários no Rio de Janeiro, que "ninguém discute se houve, ou não, corrupção", mas que "não se combate crime cometendo crime".

Comento

O ministro Gilmar Mendes, bem como seus confrades na confraria do STF, tem o hábito de desconsiderar fatos que não contribuem para a narrativa da hora. Um desses fatos jogados à masmorra do esquecimento foi a mudança de posição do próprio ministro em relação à prisão após condenação em 2ª instância. Em 2016, o ministro Gilmar integrara a maioria que por 6 a 5 estabelecera essa possibilidade; em 2019, mudou de convicção e, em nova “maioria de circunstância”, como talvez dissesse o ex-ministro Joaquim Barbosa, derrubou o que antes aprovara.

Não devemos esquecer que foi a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância que formou a fila de confessionário e de delações em Curitiba. A Lava Jato só alcançou os resultados que obteve graças às admissões de culpa e às possibilidades de redução de penas (ou até mesmo de perdão judicial) por colaboração com as investigações ou delação de outros criminosos feitas ante a possibilidade de prisão em curto prazo. O novelo recursal prosseguia rumo à eternidade, mas a pena começava a ser cumprida de imediato. O natural pavor do criminoso consciente do crime que cometeu, ante a porta da cadeia abrindo-se ali na primeira esquina, hoje vem sendo chamado, injustamente, de “tortura psicológica” imposta a esses desamparados... Arre!

A Lava Jato morreu, pois, em 7 de novembro de 2019, quando a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância ganhou caráter excepcionalíssimo. Clima de velório na sociedade e dia de festa na Papuda! Solenes homenagens a São Nunca. Embora morta, a Lava Jato ainda permaneceu aberta à visitação até o dia 8 de março de 2021, data em que o confrade Edson Fachin, após 10 sólidas decisões anteriores em sentido contrário, evaporou-as, mudou de posição e anulou a os processos de Lula que, julgados em Curitiba e no TRF-4, não tinham relação com a Petrobras.

O leitor destas linhas deve ter percebido essas “maiorias de circunstância”, essas mudanças súbitas de orientação e essas decisões capazes de reverter condenações julgadas e “rejulgadas” e “rerejulgadas”.  Deve ter observado, também, o alinhamento político que caracteriza ampla maioria da atual composição do STF. Deve sentir, como eu, que ela traz insegurança jurídica e solapa, por essas e muitas outras razões, a confiabilidade da Corte, uma casa aparentemente sem espelhos.