• Percival Puggina
  • 27/07/2021
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COMO SÃO ANTIGAS CERTAS NOVIDADES!

 

Percival Puggina

 

Volta e meia, minha mulher arruma tempo para abrir velhas pastas com papéis amarelados. Cada um à sua vez, eles foram úteis, ou importantes, e ganharam lugar em alguma pasta de cartolina, daquelas fechadas com elástico esticado sobre os cantos. Garanto-lhes que resistem ao passar dos anos.

Nessas ocasiões, voltam ao manuseio, entre sorrisos e lágrimas, soluços e gargalhadas, bilhetes e desenhos dos filhos, mensagens trocadas, cartões guardados de presentes que o tempo levou, artigos anteriores à minha amizade com os computadores. Tudo carinhosamente preservado por ela.

Outro dia, numa dessas pastas havia anotações de comentários que eu fazia diariamente para a Rádio Guaíba de Porto Alegre, no início dos anos 90. O mais visível era do dia 23 de novembro de 1991 e eu abordava a chacina do soldado Valdeci de Abreu Lopes, degolado com golpe de foice na esquina mais central de Porto Alegre em 8 de agosto de 1990. Os autores nunca foram identificados, tendo havido seis condenações de coautores. À época, para criar uma “narrativa”, foi constituída na Assembleia Legislativa uma Comissão Especial para investigar a violência no campo e essa comissão fora ao Presídio Central visitar os presos.

         No comentário, eu perguntava o que uma comissão instalada sobre violência no campo buscava em visita a presos por um homicídio praticado no centro da capital gaúcha... (a ironia sempre foi minha parceira).

         O achado me levou a outro. Certamente eu havia escrito algo a respeito daquele triste episódio, cujos primeiros movimentos, ocorridos na Praça da Matriz, assisti in loco, desde uma janela no prédio da Assembleia Legislativa do Estado.

         Não encontrei o que queria, mas achei algo bem posterior, escrito 23 anos atrás para um semanário católico da época:

Ainda hoje, a defesa dos Direitos Humanos, na maior parte de suas manifestações visíveis, está longe de ter a abrangência que a condição humana (imagem e semelhança de Deus) reclama. Em nome de direitos naturais, dos quais todos somos igualmente detentores desde a concepção, se defende e se estimula aborto e controle de natalidade. Os mesmos grupos que, em nome dos Direitos Humanos, exigem sanções ao general Pinochet recebem Fidel Castro com urras e vivas (e vice-versa). Nenhum segmento que se preocupe com exigir do Estado um bom atendimento aos presos volta os olhos para os problemas enfrentados pelas vítimas dos crimes que esses mesmos presos praticaram. E assim por diante.

Por fim, nesse texto, de 14 de dezembro de 1998, afirmei:

“Em outras palavras, a maior parte das manifestações em defesa dos Direitos Humanos surge contaminada por um escrutínio racista, ou político, ou ideológico, ou sexual, ou cultural.”

Como é antigo esse divisionismo que hoje alguns parecem tardiamente descobrir e cuidam de atribuir ao presidente da República!

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


Aucileide medeiros -   02/08/2021 10:09:20

Parabéns texto interessante

FERNANDO A O PRIETO -   29/07/2021 05:27:26

Obrigado por mais este excelente texto! NÃO se deve avaliar o passado pelos padrões do presente - isto é um ERRO, denominado ANACRONISMO. Jamais , por exemplo, os bandeirantes (sem os quais muito provavelmente o Brasil seria territorialmente muito menor do que hoje) poderiam ser "julgados" por esses idiotas que atacaram sua estátua, ainda que os padrões dos atacantes fossem melhores que os do Séc. XVII, o que considero discutível. Porque não contestar os monumentos dedicados a monstros CONTEMPORÃNEOS, como Che Guevara, MaoTseTung (este último, em número de vítimas, o maior assassino da História...).

Luiz R. Vilela -   28/07/2021 08:42:25

É duro ter que aturar certas coisas. Esta mesma turma que dá "vivas e urras", para Fidel Castro, Mao Tsé Tung, Joseph Stalin, os Kim lá da Koréia, e outros menos votados, são os mesmos que recriminam os militares que governaram certos países e mataram infinitamente menos que os ditadores comunistas. Agora, passaram a se insurgir contra monumentos que homenageiam figuras do passado, como a depredação por fogo, da estátua do bandeirante paulista Borba Gato. É o supra sumo da imbecilidade, querer julgar as ações do passado pelos valores atuais. Ninguém pensa e tocar fogo novamente em Roma, por conta das atrocidades do império romano, contra os povos dominados por ele na antiguidade. Assim fosse, deveria ser revisto também o barbarismo praticados pelos soviéticos aos povos que viviam atrás da antiga "cortina de ferro", mas isso é inimaginável aos queimadores de estátuas. O passado deve ficar onde esta, na história e deve servir apenas de exemplo para que não se cometa novamente erros já acontecidos.