• Demétrio Magnoli
  • 08/02/2009
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COISA DE PRETO

O Senado logo retomar? debate do projeto de lei de cotas raciais nas universidades e escolas t?icas federais, que pode tornar-se a primeira lei racial da nossa hist?. Diferentes pesquisas evidenciam que ampla maioria dos brasileiros, de todas as cores, rejeita a introdu? da ra?na lei. Mas o projeto, que passou na C?ra dos Deputados sem voto em plen?o, por acordo de lideran?, tem grandes possibilidades de ser aprovado no Senado. Como explicar o paradoxo que faz a maioria parlamentar deliberar contra a vontade da maioria dos eleitores? H?antes de tudo, um desvio que n??xclusivo de nosso sistema pol?co. Os parlamentares temem contrariar os grupos de press?organizados mais do que temem frustrar as expectativas da maioria desorganizada. Corpora?s, movimentos sociais e ONGs atuam como m?inas eleitorais, impulsionando ou destruindo candidaturas. Os interesses da maioria, por sua natureza difusa, podem ser contrariados com menor risco. Se o Estado brasileiro criar, oficialmente, castas de cidad? separadas pela cor da pele, isso ser?m triunfo das ONGs racialistas e uma derrota da vontade popular. N?existe no Brasil um movimento negro em nenhum sentido leg?mo da palavra. As ONGs racialistas quase nada representam, al?dos interesses e ideologias de seus pr?os ativistas. Mas elas recebem, todos os anos, milh?de d?es da Funda? Ford e se incrustaram no interior do Estado, dispondo do aparelho de uma secretaria especial da Presid?ia e do controle de postos-chave nos Minist?os da Educa? e da Sa? Os dirigentes de tais grupos formam uma elite advent?a, estruturada em redes nas universidades e institui?s internacionais, que se reclamam porta-vozes de uma ra? Eles usar?o termo racista como insulto destinado a marcar a ferro todos os que insistem em defender o princ?o da igualdade perante a lei. Eis o que temem deputados e senadores. A ci?ia a servi?da expans?imperial europeia inventou a ra?no s?lo 19. A ci?ia do p?uerra a desinventou, provando que a cor da pele ?ma adapta? evolutiva superficial a n?is diferentes de exposi? ?uz solar. Mas a quest?de saber se a ra?existe n?pode ser solucionada em definitivo pelos cientistas, pois o Estado tem o poder de fabricar ra? na esfera pol?ca. Nos EUA e na frica do Sul, leis raciais incutiram na sociedade a no? de que uma fronteira natural divide as pessoas em grupos fechados. Leis raciais supostamente voltadas para o bem n?s? sob esse aspecto crucial, diferentes de leis raciais voltadas para o mal. Umas e outras ensinam ?pessoas que seus direitos est?ligados ?ua cor da pele - e que seus interesses objetivos solicitam a solidariedade de ra? A lei que tramita no Senado pouco afetar?s mais ricos, mas dividir?s alunos de escolas p?cas em dois conjuntos raciais com interesses opostos. Na hora em que os filhos dos trabalhadores n?puderem mais olhar uns aos outros como irm? e colegas, ter?mergido um Brasil diferente daquele que conhecemos. Mas a nossa elite pol?ca n?vislumbra esse risco, pois interpreta a Na? pelas lentes do preconceito de classe. A maioria dos parlamentares n?nutre entusiasmo pelo projeto de cotas raciais, mas est?isposta a contribuir com a indiferen?para sua aprova?. Eles enxergam as leis raciais como esmolas concedidas aos pedintes, moedinhas in?s entregues a meninos na rua, um pre?quase simb?o que se paga para comprar gratid? Coisa de preto - ?ssim que, silenciosamente, avaliam os projetos apresentados sob a c?ca justificativa de fazer justi?social por interm?o da oficializa? da ra? Mas n?se trata, a rigor, de preconceito racial: o preto, no caso, funciona como sin?o de pobre, na mais pura tradi? senhorial brasileira. Juntamente com o temor dos grupos de interesse, as leis de ra?beneficiam-se dessa avers?benevolente ao princ?o da igualdade. H?ais de um ano foi aprovado em comiss?um projeto de lei, de autoria do senador Dem?nes Torres (DEM-GO), que determina a implanta? de tempo integral nas escolas p?cas de ensino fundamental. Mas a maioria governista n?permite que o projeto siga para vota?, alegando que custaria cerca de R$ 20 bilh?anuais, pouco menos que o dobro do Bolsa-Fam?a. Parece muito, mas representaria apenas 1,6% do Or?ento da Uni?- algo como um aumento inferior a 15% nos repasses federais para Estados e munic?os. ?um valor relevante, por?perfeitamente vi?l se a deflagra? de uma revolu? qualitativa no ensino p?co figurasse, de fato, como prioridade nacional. Entretanto, nossa elite pol?ca parece preferir enfeitar com cotas raciais a ordem in?a que relega a maioria dos jovens, de todas as cores, a escolas arruinadas. O antrop?o Kabengele Munanga, um arauto das pol?cas de ra? justificou do seguinte modo a necessidade das cotas raciais: Muitos acham que o caminho para corrigir as desigualdades sociais seria uma pol?ca universalista, baseada na melhoria da escola p?ca, o que tornaria todos os cidad? brasileiros capazes de competir. Mas isso ?m discurso para manter o status quo, porque enquanto se diz isso nada ?eito. A afirma? ?ma esfinge que pede para ser decifrada. Munanga sugere ser favor?l ?ol?ca universalista de melhoria da escola p?ca, mas, simultaneamente, qualifica tal demanda como um discurso para manter o status quo, pois na pr?ca nada ?eito. Ent? utilizando-se de uma pervers?l?a, n?reivindica que se fa?a pol?ca universalista, mas a sua substitui? por uma pol?ca diferencialista destinada a distribuir direitos segundo a cor da pele. ?que no Congresso, enquanto ele diz isso, os parlamentares que compartilham sua ideologia racialista ajudam a bloquear o projeto universalista do tempo integral. ?oci?o e doutor em Geografia Humana pela USP.