• Percival Puggina
  • 19/03/2024
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A guerra do Ocidente contra si mesmo

 

Percival Puggina

         O Ocidente viveu milênios em que a guerra foi o estado natural dos agrupamentos humanos. Quem visita as mais antigas cidades europeias encarapitadas no topo de elevações pode observar as engenhosas e robustas fortificações que as envolviam. Seus habitantes não trocavam o conforto das planícies pelos panoramas que se descortinam desde seus mirantes, mas pela segurança que a ampla visibilidade dos arredores proporcionava.  Em sua origem, não eram cidades “com vista”, mas cidades com “melhor detecção de agressores externos”. Os ataques eram possíveis, prováveis e recorrentes.

Havia guerras de pilhagem e de conquista. Disputavam-se territórios, objetivos estratégicos, coroas que se vulnerabilizavam e os conflitos se foram tornando mais violentos e prolongados conforme se constituíam os reinos medievais. As guerras duravam anos, décadas e até um século inteiro, como a Guerra dos Cem Anos entre Inglaterra e França pela hegemonia sobre a região de Flandres.

A História, porém, reservou o nome de Grande Guerra para os dois conflitos ditos mundiais travados fundamentalmente na Europa Ocidental no século passado. A primeira, de 1914 a 1919 e a segunda, de 1939 a 1945. A contagem das vítimas de cada uma foi às dezenas de milhões.

Escrevo sobre guerras e grandes guerras porque, na minha percepção, uma terceira guerra – grande, destrutiva, furtiva e silenciosa – também se trava no Ocidente. Singularmente, é guerra do Ocidente contra si mesmo. Para designá-la, generalizou-se a expressão “Guerra Cultural”, que parece dizer pouco para o quanto há de catastrófico na gradual destruição de uma cultura. James Burnham tratou do tema em “O suicídio do Ocidente”, mas o fez numa perspectiva pessimista. Eu creio numa vitória da vida e do Bem.

Antes que o Império Romano enfrentasse o declínio, a antiguidade arquejava uma cultura que não resistiria ao exemplo e à mensagem da Cruz. Tito Lívio, historiador romano que viveu no tempo de Jesus, escreveu: “Chegamos a um ponto em que já não podemos suportar, nem nossos vícios, nem os remédios que os poderiam curar”. Quanto essa frase, passados vinte séculos, parece falar dos dias atuais! A cultura é a alma de uma civilização. Corrompida essa alma, fatalmente se degrada e fragiliza a civilização que lhe corresponde

Você pode esgotar todos os adjetivos do dicionário para discorrer sobre o que aconteceu em Roma.  No entanto, eles serão poucos para descrever o efeito daquilo a que se dedicam os “progressistas” se conseguirem destruir a alma cultural do Ocidente, que há dois mil anos começou a ser construída. Não é por acaso que ela se reflete nas grandes declarações internacionais sobre pessoa humana, sua dignidade e seus direitos, bem como sobre família, e sociedade. Todas beberam da mesma fonte.

Essa, porém, não é uma questão religiosa! O leitor pode ter esses mesmos apreços e não ter religião alguma, mas é certificada a procedência e a longa produção desse Bem que o atraiu. Na guerra peculiar guerra que descrevo não há muro, como dizia recentemente o jornalista Júlio Ribeiro em seu programa na Rádio + Brasil. Quem ama o Bem, a Beleza, a Justiça e a Verdade, tem lado e protege aquilo que ama. Muros são o habitat natural dos omissos.

O falso humanismo dito progressista é aquele que sistematiza ataques à inocência das crianças, terceiriza para o Estado a instituição familiar, protege o criminoso e criminaliza a vítima, quer desencarceramento e liberação das drogas, exige aborto “livre, público, gratuito e de qualidade”. Onde existe a União, levam a discórdia; onde a Verdade é apreciada, levam a narrativa; onde reina o Amor, levam o ódio; onde há Esperança e Alegria, providenciam o desespero e a tristeza. Sua arte é horrenda, sua ética condena a virtude e sua justiça é perversa.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 


Dirceu Guerra -   26/03/2024 17:40:19

Bem vindo novamente a nossa página Puggina. Bem oportuno vosso discorrer sobre esse tema. A cada dia fica mais claro quanto os progressistas mentem. E como mentem, continuando o trabalho de formiguinha para destruir os bons costumes, as famílias....

Vanderlino H Ramage -   26/03/2024 16:15:34

Vivemos o limiar de uma nova era. É a dinâmica da história. O modelo ocidental esgotou-se. As civilizações operam assim mesmo. Emergem, progridem, atingem apogeu e entram em decadência. O futuro está no Leste, gostemos ou não de Xi Jin Ping ou Putin! Há, entretanto um elemento novo no cenário mundial contemporâneo. Pela primeira vez, na aventura humana nesta planeta, o bicho homem tem as condições de aniquilar-se completamente, a arma nuclear. Isto nos leva a refletir sobre o que farão, com seus arsenais nucleares, as potências em declínio!?

Ajacio Brandão -   26/03/2024 09:11:08

Excelente texto, sobre um assunto de grande importância. Li, recentemente, o assustador "A guerra contra o ocidente" do Douglas Murray, que disseca, de forma magistral, o tema que também abordas aqui.

jeronymo júnior -   25/03/2024 19:49:14

Hoje vi na TV que a Polônia está querendo se desligar da UE justamente porque os países da Europa estão perdendo sua identidade, entre outras coisas. Gosto da Polônia e das mensagens que tem dado ao mundo, ultimamente, e, principalmente, contra essa corja que é a esquerda.

ALEXANDRE JOSE PATRIARCA -   25/03/2024 12:50:18

Me desculpe, Sr. Puggina, mas é uma questão "religiosa" sim, no sentido que toda uma Cosmovisão Cristão tem sido atacada e subvertida por todos os lados, em todas as frentes. A Cosmovisão é o fundamento de uma Cultura e o alicerce cosmológico, metafísico e espiritual de uma Religião (como instituição social e politicamente estabelecida). É o Cristianismo, suas crenças e valores que tem sido atacado, há séculos, e só assim as forças das trevas poderiam sequer cogitar conseguir alcançar seus objetivos. Eu oscilo entre o "pessimismo agostiniano". e um otimismo alimentado pela fé e pela Graça de Deus. No final o Bem triunfará, o Verbo Divino colocará seus adversários "como escabelo para seus pés" - mas o Ocidente caminha para a mais profunda decadência e degeneração, como ocorreu em Roma, no Egito, na Pérsia, e em todas as civilizações (nas suas diversas iterações e ciclos de nascimento, maturação e morte) que tomaram o caminho da revolta contra Deus e contra o caminho do Bem, o Direito Natural, e o bom senso.

Danubio Edon Franco -   25/03/2024 11:25:09

Voltaste com tudo! Meus cumprimentos pela excelência do artigo, simples, conciso e profundo. Disseste tudo em poucas linhas. Agora, esta é uma guerra difícil de combater e vencer. É preciso muita determinação e coragem para enfrentá-los. Mas não vamos fraquejar. Mais uma vez, meus cumprimentos pelo excelente retorno.

Jorge Scheidegger -   25/03/2024 11:03:09

Acrescentaria, apenas, que essas ideias estão sendo trazidas ao ocidente após terem sido gestadas nos regimes totalitários orientais, com todos os fracassos conhecidos.

Gerson Hallam -   25/03/2024 11:00:55

Irretocável texto Professor Puggina. Talvez neste Brasil, que sempre se tentou igualar, mas na verdade é muito diferente, se não pela mesma língua, aqui no Rio Grande do Sul seja mais difícil esta tentativa de destruir a cultura,, porque a cultura Gaúcha é muito forte, diferente do resto do País, a identidade é agregadora de todos, todos se sentem mais Gaúchos do que Brasileiros, mesmo porque temos mais identidade com os hermanos do que com o Nordeste por exemplo. Vamos pelear.

Teresa -   25/03/2024 09:48:53

Muito bom ler um texto dessa estirpe! Da esperança a alma.

Eloy Severo -   25/03/2024 09:36:35

Já estava achando falta dos comentários do amigo, aliás sempre muito oportunos. Um abraço

Gerson Novaes -   25/03/2024 09:34:56

Nossos inimigos não são pessoas, não são organizações, não são nações… são espíritos! Espíritos não morrem - eles sempre vão existir. A guerra faz parte da natureza - não vencer a guerra espiritual leva à guerra física. Como disse Ernesto Sabato, os homens de hoje são os mesmos de cem anos atrás. Acrescento ou corrijo: somos os mesmos de mil anos atrás… os mesmos de sempre…

Sergio Augusto kerber Jardim -   25/03/2024 09:21:29

A terceira guerra já está desenhada. Os líderes do mal são vários. Cito um o PUTIN. E seus diversos satélites. Agora a verdade. E do nosso lado. NENHUM. ENTÃO, é esperar o grande momento. Qual dedo vai acionar a catástrofe.

Romeu Rademann -   23/03/2024 08:40:58

Excelentes observações. Pena que os cérebros parecem estar programados para o final da história, tal como aqui descrito.

Dagoberto -   20/03/2024 08:46:38

Grandes verdades, muito bem ditas.

Luiz R. Vilela -   19/03/2024 18:26:32

" HOMO HOMINI LUPUS", trocado em miúdos, seria afirmar que o homem é o lobo do homem. Frase popularizada por um cidadão chamado Thomas Hobbes, mas dizem que ele leu isso nas narrativas de um dramaturgo romano. Seja qual for a verdade sobre o dito, o que se entende é que esta repleta de razão. Desde que, conforme a bíblia, Caim matou Abel, as mortes por seres humanos nunca mais pararam. Seria uma condição da natureza para regular o equilíbrio entre os humanos e as outras espécies, já que o homem quando abandonou as cavernas, deixou de ter predadores naturais? É uma questão difícil pois na natureza não se mata entre outras espécies pelos motivos que os humanos se matam. As guerras então são casos a parte. Homens tidos como grandes conquistadores, a exemplo de Alexandre o grande, Julio Cesar, até o maluco francês chamado Napoleâo Bonaparte, que em seus delírios de gloria e poder, mandavam para a morte seres praticamente indefesos, que deveriam optar em morrer pelo líder, ou morrer por se recusar a morrer também pelo líder. Sabedor da condição de pequenez humana, fica-se até na dúvida. Estes indivíduos que contribuíram para a morte de milhares, ou de milhões, eram assim sádicos por natureza própria, ou cumpriam desígnios de que eles nem mesmo sabiam? Pelo que fizeram, e pelo que ainda fazem, é difícil de acreditar que um corpo humano comporte tanta maldade assim. A verdade é que nós, não somos donos de nós mesmos, ou então nem morreríamos.